Chamamos de imóvel aquilo que permanece, aquilo que está ali — firme, fixo, fiel. É o nome dado à casa, à estrutura, ao endereço que resistiu à pressa do mundo. Mas há, nesse nome, uma ironia quase cósmica: nada é verdadeiramente imóvel. Nem as paredes que nos protegem, nem os corpos que as habitam. Nem mesmo nós, que tentamos — por orgulho ou medo — fingir que não nos movemos. O sangue que circula em nossas veias, as batidas do coração, as sinapses de nosso cérebro, as pálpebras que insistem em piscar e os pulmões que instintivamente tragam o fôlego da vida, tudo isso é movimento.
Queremos mudar. Precisamos. Intuímos que seríamos mais felizes noutro lugar, noutro tempo, noutro plano. Há um grito por liberdade que ecoa dentro do peito, uma vontade antiga de correr em direção ao desconhecido. Mas o medo segura os calcanhares. A responsabilidade cala o impulso. Os filhos dormem no quarto ao lado. As contas vencem amanhã. E então escolhemos ficar.
E nesse ficar, há nobreza. Há honra em sustentar com os próprios ombros uma casa inteira de silêncios e esperanças. Há orgulho em ser âncora quando todos à volta se tornam vela ao vento. Mas há também renúncia — e disso não se fala tanto. Permanecer é, às vezes, ver partir aquilo que amamos. É aceitar que nem tudo caminha no nosso ritmo. É olhar pela janela e acenar para o que não volta mais. Podemos estar imóveis dentro de um carro, enquanto o mundo passa pela janela e o retrovisor nos mostra o que deixamos, enquanto o para-brisa nos mostra o que ainda virá.
A casa, essa que chamamos de imóvel, também se move. Gira com a Terra, dança com as estações, respira os dias que mudam. Envelhece. Cria rachaduras. Ganha musgos, sons, memórias e poeiras. Tudo que permanece, transforma. Tudo que resiste, aprende. E talvez a grande verdade seja essa: ninguém está parado. Estamos apenas em ritmos diferentes.
Alguns correm porque não suportam o próprio eco. Outros permanecem porque sabem que há beleza na espera. Alguns aceleram. Outros respiram. Mas todos, sem exceção, estão em movimento. Até o que chamamos de imóvel é arrastado pelo planeta que gira a mais de 100 mil quilômetros por hora ao redor do sol.
A questão, talvez, não seja simplesmente escolher entre mudar ou permanecer. Essas palavras carregam o peso de séculos e expectativas, como se a vida fosse um duelo entre o passo à frente e o passo atrás. Mas a verdade é mais sutil. A sabedoria está em reconhecer, com honestidade e ternura, o que dentro de nós já cumpriu sua jornada e precisa partir — mesmo que doa, mesmo que nos faça sentir órfãos de um pedaço do que fomos. Despedir-se também é sinal de maturidade, é aceitar que há portas que, se não forem fechadas, nos impedirão de abrir outras.
Por outro lado, há dentro de nós raízes silenciosas que sustentam tudo aquilo que ainda somos e podemos vir a ser. Há afetos, princípios e memórias que não devem ser arrancados só porque o mundo exige movimento. Porque há sonhos que não suportam raízes — são feitos para voar, para buscar outras terras, outras luas. Mas há também raízes que sustentam todos os nossos sonhos — aquelas que nos lembram quem somos, de onde viemos e por que ainda vale a pena continuar. Saber distinguir entre os dois é o verdadeiro passo adiante.
E no fim, ser imóvel não é não mudar. É apenas mover-se em silêncio, no compasso exato daquilo que chamamos de lar.