GUILHERME BOMBA

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Fronteiras que sangram, muros que crescem

Da Redação

| Edição de 10 de abril de 2025 | Atualizado em 10 de abril de 2025

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Ele começou a reparar nos muros. Não nos de concreto — esses, há muito, faziam parte da paisagem. Repare bem: toda cidade tem seus muros, altos ou baixos, reais ou simbólicos. Mas os que o incomodavam mais ultimamente eram invisíveis. Eram aqueles muros que se erguiam no meio das conversas, das relações, das ideias. Malditos muros que nos impedem de ver o outro lado, ele pensava.

De alguma forma, os conflitos do mundo pareciam ter atravessado oceanos e desembarcado silenciosamente nas calçadas da sua cidade. Ele observava — nos olhos das pessoas, nos gestos contidos, nos comentários sussurrados — uma espécie de endurecimento. As fronteiras do mundo sangravam, sim. Mas havia algo ainda mais preocupante: o sangue corria para dentro. Sabe aquela dor que você conta para alguém do lado de fora do trabalho em uma noite fria e os conecta para sempre? Ele não tinha ninguém, tudo era agora só muros.

Lá longe, na TV e nos sites, mísseis cruzavam o céu de Gaza, tanques avançavam na Ucrânia, refugiados se aglomeravam às portas da Europa. As imagens vinham carregadas de dor, e ele sabia que, por trás delas, existiam nomes. Gente. Gente que sonhava, que ria, que fazia planos. E que, de uma hora para outra, via o mundo desabar como se a vida fosse descartável. Ele lembrou do pequeno Aylan, o menino sírio que apareceu morto em uma praia na Turquia tentando fugir da guerra – hoje ele teria 15 anos.

Mas o que mais o assustava não era a guerra em si — era o modo como ela contaminava o cotidiano. A maneira como as pessoas escolhiam lados com uma fúria cega, como se tudo se resumisse a preto ou branco. Como se cada tragédia exigisse um time, uma bandeira, uma frase pronta para postar. Ao invés do gol, o som é sempre de explosão, seja de uma bomba ou do humor, do grito, dos olhos...

E então, ele percebia: os muros estavam por toda parte. No modo como se evitava a conversa difícil. No silêncio constrangido entre parentes que já não se olhavam como antes. No medo de discordar — e no prazer quase cruel de destruir o outro com um argumento, que ser inteligente e irrefutável, mas não passa de um “rugido” de um gato velho.

Os muros cresciam enquanto a empatia encolhia. E isso doía mais do que qualquer noticiário. Ele lembrava de um tempo em que as fronteiras pareciam apenas linhas num mapa. Agora, elas ganhavam espessura emocional. As pessoas se enclausuravam em bolhas, em certezas, em desconfianças. Cada um empoleirado no alto do seu muro, apontando o dedo para o vizinho.

Havia se tornado perigoso ser vulnerável. Ser moderado. Ser ponte.

E, no entanto, ele acreditava que era justamente essa a tarefa mais urgente: construir pontes onde só se enxergavam abismos. Mesmo que fosse difícil. Mesmo que exigisse abrir mão de algumas certezas — porque, às vezes, é na dúvida que mora o afeto. Ele tinha títulos demais para falar em tom de achismo, mas sua força de vontade estava diluída como o café forte em um copo de leite.

Enquanto isso, os muros continuavam subindo, mundo afora. Ele sabia disso. Mas também sabia que não precisava participar da construção.

Preferia, em vez disso, reconhecer as fronteiras que sangravam — dentro e fora — e agir como quem cuida de feridas. Não para curar tudo, mas para que, ao menos, não infeccione ainda mais.

E se, por acaso, alguém perguntasse o que ele fazia diante de tanta dor, ele responderia: tento não ser mais um tijolo.