A conjuntura econômica de crise, agravada pela pandemia, com desemprego e inflação, tem um impacto direto num dos serviços públicos essenciais, o sistema de transporte. Nesse cenário, os atores do sistema, como o dono do serviço, que é o poder público, e os terceirizados dele, que são as empresas concessionárias, se obrigam a repactuar o custeio do transporte público, de forma a não invadir, ainda mais, o bolso do trabalhador. A repactuação exige muito diálogo e articulação principalmente porque o fluxo de usuários pagantes ainda não se recuperou - o déficit estimado de Apucarana é de 3,5 mil usuários/dia- e o preço dos insumos não para de crescer.
Em Apucarana há um constante cabo-de-guerra entre a concessionária do serviço, a Viação Apucarana Limitada (VAL) e o gestor público, representado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento (Idepplan).
A municipalidade cobra melhorias no serviço a partir dos feedbacks dos usuários e do que prevê o contrato celebrado, e a concessionária busca compensações para reequilibrar a relação, impactada pela conjuntura econômica. As contas não são simples.
Antes da pandemia, no fim de 2019, o transporte público registrava uma média de 15.500 pagantes por dia. O número caiu a menos da metade em março de 2020, com as medidas de isolamento. Os pagantes somavam, então, 7 mil pessoas/dia. Atualmente, com base nos números de maio, o sistema tem 12 mil pagantes/dia, ou seja, o fluxo ainda não se recuperou e está 22% menor.
Como a gestão da tarifa é por rateio, quanto maior o número de pagantes transportados, mais baixo é o valor pago por pessoa. Assim, é necessário, nesse momento, encontrar mais 3,5 mil pagantes dia ou ampliar o subsídio para reequilibrar as contas. O Idepplan faz a mediação com públicos potenciais, como dos parques industriais e das universidades e faculdades, para ajustar horários dos ônibus conforme a necessidade de trabalhadores e alunos, de forma a garantir mais usuários pagantes no sistema.
O diretor presidente do Idepplan, Carlos Mendes, explica que o município subsidia parte da tarifa do transporte, desde fevereiro, como forma de garantir um valor baixo cobrado dos usuários. A cidade construiu uma espécie de tarifa social. A nova tarifa foi ajustada em R$ 4,00, porém, o trabalhador só paga R$ 3,40 pelas passagens. A diferença, de R$ 0,60, é paga como subsídio. Isso significa que o poder público municipal indeniza o serviço em R$ 50 mil a cada semana.
Essa solução construída em Apucarana, diz o empresário Roberto Jacomelli, diretor da VAL, serviu como modelo para outras cidades, como Londrina e Maringá. No entanto, ele afirma que esse subsídio atualmente é insuficiente para reequilibrar o sistema caso o número de usuários não cresça. “O ideal é que tenha mais dinheiro público investido para assegurar o serviço”, defende.
Subsídio para gratuidade de idosos é discutido em nível nacional
Roberto Jacomelli cita o exemplo de Maringá, onde além do subsídio copiado de Apucarana, a cidade construiu uma legislação própria para ressarcir as gratuidades, ou seja, usuários que não pagam pelo transporte, como o caso de idosos, pessoas com deficiência e gestantes. Naquela cidade, as gratuidades somam 14 mil usuários diariamente, dos quais, 95% são idosos. Em Apucarana, tanto o Idepplan quando a concessionária não tem o números exatos. Mas estimam que as gratuidades passem de 4 mil pessoas, diariamente. A empresa calcula que números possam chegar perto de 6 mil.“Se considerarmos 5 mil usuários por dia, sem pagar pelo serviço, temos algo perto de 200 mil viagens gratuitas a cada mês”, diz Jacomelli.Exatamente por conta da falta de controle, uma das propostas que devem ser apresentadas ao Idepplan, por parte da empresa, é a exigência que os idosos passem a ser contabilizados no sistema, ou seja, passem obrigatoriamente pelas roletas. Hoje, eles entram pelas portas dos fundos. Carlos Mendes lembra que a gratuidade para idosos é uma lei federal, o que em tese, obrigaria o Governo Federal ressarcir pelo serviço. “Se de fato pagasse por essa gratuidade, só em Apucarana significaria que o governo federal teria que repassar algo em torno de R$ 5 milhões ao ano”, diz. Ele cita um projeto em trâmite na Câmara Federal que cria o Programa Nacional de Assistência à Mobilidade dos Idosos em Áreas Urbanas (Pnami), justamente para ressarcir os sistemas de transporte pela gratuidade.
Custos elevam tarifa técnica para R$ 5,58
Segundo a VAL, a tarifa técnica do transporte público de Apucarana, é de R$ 5,58, considerando os parâmetros e exigências previstas no edital da concorrência pública, feita em 2019. “O valor do diesel, por exemplo, simplesmente dobrou entre 2020 e 2022. O custo dos pneus também dobrou”, relata. Segundo o empresário, o diesel, que é o segundo maior impacto na planilha de custos da empresa (perde para mão-de-obra), já representou entre 8% e 9% dos custos, atualmente representa pelo menos 25%.Carlos Mendes e Roberto Jacomelli confirmaram à reportagem que os encontros entre as partes têm sido constantes para construir soluções e garantir o sistema. Eles tiveram uma reunião na semana passada, quando o Idepplan notificou a empresa sobre a construção de novos pontos de ônibus, conforme previsto em contrato e também cobrou a ampliação do número de ônibus nas linhas mais movimentadas, para evitar as superlotações, alvos de constantes reclamações. À reportagem, Jacomelli assegurou que a empresa vai cumprir o contrato na íntegra e explicou que o ritmo das instalações de novos abrigos foi prejudicado por conta da queda de faturamento, com a redução dos usuários no período, além da alta dos preços dos insumos.