Eu sou César”, ele pensa, ajeitando o paletó como se fosse uma toga invisível. Acredita-se herdeiro da disciplina romana, guardião de um império que, na verdade, cabe em quatro paredes e meia dúzia de mesas. “Se não fosse minha mão firme, este lugar ruiria como Roma em chamas. Melhor que me temam a que se percam no ócio e na alegria.”
Eis o grande engano: Nero incendiou Roma para erguer seus delírios de palácio; o nosso César moderno não precisa de tochas, basta sua língua afiada. O fogo não consome colunas ou telhados, mas alastra-se nos olhares baixos, nos sorrisos abortados, nos passos arrastados de quem já não tem ânimo. Chamas invisíveis, mas não menos devastadoras.
O pequeno grande César assumia a responsabilidade do Império que não existia, afinal, o próprio César histórico nunca fora imperador, apesar de muita gente confundir. Ele comandava com mãos de ferro aquilo que era de porcelana, que apesar de rachadas continuavam no mesmo lugar.
Foi Maquiavel que disse que “o príncipe deve ser amado e temido, mas se tiver que escolher entre eles, é melhor ser temido”. Mas quem é o príncipe de nossa história? Agir maquiavelicamente seria estar acima do bem e do mal em busca do bem comum e da manutenção do poder, mas o nosso quase imperador, não sabia mais o que era o bem e o mal. Fingia não saber ou realmente não sabia, pois o seu sarcasmo e nuvens negras de chuva em dias ensolarados, era capaz de apagar as velas que sequer foram acesas.
É então que Marco Aurélio, sentado ao lado, e que não tem nada de imperador, apenas um sujeito que ainda insiste em sorrir, observa e murmura para si: “César pensa estar salvando o império, mas apenas ergue um deserto. Acha-se justo, mas cultiva silêncios. Crê-se forte, mas precisa do medo para se sustentar.”
E enquanto César desfila sua autoridade de papelão, Marco Aurélio conclui: “Um trono feito de tensão é apenas uma cadeira instável. No fim, não haverá bustos de mármore nem moedas cunhadas com seu rosto. Apenas a lembrança de uma sala fria, onde ninguém ousava rir alto.”
O grande César romano até hoje é lembrado pela sua bravura, tornou-se sinônimo de grandiosidade e poder, mas será que o nosso pequeno imperador achava mesmo que seu legado seria esse?
O ancestral romano foi um dos principais conquistadores da antiguidade, mas em cada vitória partilhava os espólios de guerra. Seus soldados podem ter os nomes apagados da história, mas não foram apenas responsáveis ao lado de César pelas vitórias, foi através deles que seu nome chegou até nós. Nenhum grande líder foi lembrado a não ser pelo que pensavam e diziam dele. Mesmo entre os que foram conquistados, após a vitória os romanos tratavam com a dignidade que o povo merecia, afinal, dali não saiam apenas riquezas e territórios, mas também alianças.
Quais alianças o nosso pequeno imperador foi capaz de fazer? E mais do que isso, quantas foi capaz de manter? O medo funciona com a criança, mas o bicho papão não assusta adultos que tem responsabilidades a cumprir em um mundo muito mais tenebroso do que filmes de terror.
Talvez seja esse o destino dos pequenos Césares do cotidiano: acreditar-se eternos, quando tudo o que deixam para trás é cinza.