ROGÉRIO RIBEIRO

min de leitura - #

O peso do jeitinho

Da Redação

| Edição de 05 de agosto de 2025 | Atualizado em 05 de agosto de 2025

Fique por dentro do que acontece em Apucarana, Arapongas e região, assine a Tribuna do Norte.

A corrupção é considerada um dos piores males que existem em uma sociedade e, mesmo assim, persiste. Como muitas pessoas dizem: “ela raleia, mas não acaba”. Na verdade, o que se observa nessa situação é uma ruptura de normas morais combinada com práticas sociais tolerantes, que remontam aos primeiros registros da humanidade. Essa temática foi abordada em artigo de Fernando Filgueiras, da UFMG, que lançou luz sobre um dos aspectos mais complexos e enraizados da vida pública brasileira: a convivência ambígua entre a condenação moral da corrupção e sua aceitação como prática cotidiana.

Filgueiras rejeita explicações simplistas que atribuem a corrupção ao “caráter do brasileiro” e aponta para uma construção social em que normas morais e comportamentos efetivos caminham em direções opostas. De forma geral, a corrupção é uma prática inserida em redes sociais e relações cotidianas, nas quais a “lei do jeitinho” muitas vezes se sobrepõe à legalidade formal. Com isso, há uma tolerância social em relação à corrupção, o que enfraquece os mecanismos institucionais de controle e dificulta a consolidação de uma cultura democrática efetiva.

Isso pode ser facilmente verificado pela posição do Brasil no ranking do Índice de Percepção da Corrupção (IPC), medida elaborada pela Transparência Internacional para avaliar como a corrupção no setor público é percebida por especialistas e empresários em 180 países. A pontuação varia de 0 (muito corrupto) a 100 (muito íntegro). Em 2012, o Brasil ocupava a 69ª colocação, com 43 pontos, mais próximo do extremo “muito corrupto” do que do “muito íntegro”. A expectativa era de que o Brasil tivesse melhorado desde 2012, diante das diversas operações anticorrupção. No entanto, ocorreu o contrário: pioramos. Em 2024, o país ocupa a 107ª colocação no ranking do IPC, com apenas 34 pontos, ainda mais próximo do extremo negativo.

Outro estudo, realizado pelos pesquisadores Magnagnagno, Mezzomo e Wiedenhöft, da PUC-RS, apontou que as principais causas da corrupção no Brasil são a impunidade e a burocracia. Os autores destacaram que ferramentas como portais governamentais, mídias eletrônicas e sistemas de informação atuam como catalisadores de boas práticas, funcionando como instrumentos estratégicos para mitigar causas estruturais da corrupção, como a impunidade e a ineficiência administrativa.

Diante do cenário atual, é preciso adotar uma postura crítica e cética frente às promessas de combate à corrupção que se limitam ao discurso e à superficialidade institucional. A corrupção não é uma aberração isolada, mas um fenômeno que se enraíza quando a sociedade, por conveniência ou desilusão, passa a normalizá-la como parte inevitável do jogo político e das relações sociais. É justamente essa naturalização que precisa ser rompida. Ainda que as normas morais mudem ao longo da história, certas condutas devem ser permanentemente repudiadas. A corrupção corrói os alicerces da democracia, perpetua desigualdades e fragiliza a confiança nas instituições.

Nesse sentido, o papel do cidadão é central e intransferível. Mais do que votar a cada dois anos, é necessário vigiar, questionar e cobrar. Acompanhar regularmente os portais de transparência dos municípios, dos estados e do governo federal não é apenas um direito, mas um dever cívico essencial, a fim de evitar que se abram espaços para a opacidade e o desvio. A pressão por mais transparência, fiscalização efetiva e responsabilização deve partir de todos. Enquanto a sociedade aceitar o jeitinho, a propina e a impunidade como práticas banais, continuará sendo cúmplice do próprio abandono.

MAIS LIDAS