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O fato, o foco e o flash – uma sociedade instagramável

Adriana Savicki

| Edição de 17 de maio de 2024 | Atualizado em 16 de maio de 2024
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Nesta semana, vi uma infinidade de postagens nas redes sociais sobre o caso das enchentes do Rio Grande do Sul, algumas informativas, outras para desinformar, mas tantas outras apenas para cobrar personalidades por uma ação em meio ao caos. Eram jogadores de futebol, digitais influencers, ex-BBB’s, personalidades políticas ou não, todos foram cobrados ou se anteciparam para mostrar ao mundo – digital – que estavam ajudando, seja com dinheiro, mobilizações e por aí vai. 

Se engana quem acha que tecerei aqui críticas severas ao fato de o ato de bondade ser gravado e exibido nas redes, ainda que não comungue dessa ideia. Acontece que de uns anos para cá, o mundo real e o mundo digital se tornaram um só, sendo que certas pessoas existem mais na tela do que deste lado do espelho. Não filosofarei sobre o que pode significar ter que mostrar aqui que se faz e porque se faz, afinal, de uma forma ou de outra, o objetivo principal está sendo alcançado: as pessoas estão sendo ajudadas. Seja como for, no fim, isso é tudo que importa. 

O fato é que pessoas que não doariam, acabam sendo sensibilizadas pelos inúmeros vídeos que chegam a todo minuto, e assim o ciclo se reinicia, uma nova doação, um novo vídeo, um novo seguidor, um novo sentimento... Quem recebe está menos interessado em quantos seguidores o doador tem do que o que chega. Quer gravar? Grave sim, mas faça e inspire outros a ajudar. 

Entretanto, em um mundo em que as pessoas procuram lugares “instagramáveis” para almoçar, onde a foto supera o sabor, a dor também se torna consumível. A exploração da dor do outro, seja pela repetição insistente do tema ao invés da cura, seja pela divulgação de cenas de horror apenas para chocar – e entreter, se é que é possível -, sem qualquer interesse informativo ou construtivo, faz das redes sociais um lugar doentio. 

Com 151 mortos e 104 desaparecidos, até hoje dia 16/05/2024 (quando finalizo esse texto), ao invés de focarmos em como salvar vidas, em como se prevenir para que isso nunca mais ocorra, em como tratar as pessoas com o mínimo de dignidade nesse momento e nos que virão, vemos pessoas de bem, lutando por seus políticos de estimação. A intenção é boa, talvez como aviso, ora como bronca, mas tudo seu tempo e lugar. Obviamente que o que aconteceu é fruto de decisões políticas e o seu reparo também o é, mas tudo tem a sua hora. Primeiro salvamos vidas! Isso só demonstra mais uma vez que o mundo virou instagramável, pois essa realidade distópica que desumaniza a todos é projeto e não acidente. 

Usar de uma situação como essa como “arma” política é no mínimo enojável. Se antes eram os “políticos” – profissionais do ofício – que bradavam aos quatro cantos suas ânsias e impressões, hoje há quem o faça em seu nome, mais pelo “vencer” com o discurso raso do que buscar resolver o problema. É, caro leitor e leitora, o mundo está cheio de filtros e parece que não tem ficado mais bonito.