Acordar. Preparar o café. Arrumar os filhos. Conferir a mochila do mais velho, checar se a fralda do menor está trocada. A menina especial precisa de mais tempo, mais paciência, mais cuidado. O relógio corre. O ônibus passa em dez minutos. A roupa ainda está no varal da noite anterior, a louça suja na pia, e o telefone vibra com um lembrete do trabalho. A vida de Mariana começa antes do sol nascer e, entre casa e a casa da patroa, filhos e chefe, limpeza e contas, o dia avança sem pedir licença. Será que a vizinha já deixou a menorzinha na creche? E enquanto pensava de cabeça baixa, quase perdeu o segundo ônibus que passa lotado de pessoas que também olham para baixo. Ninguém lembraria dela.
Do outro lado da cidade, Carlos também começa sua rotina ainda na madrugada. Um beijo rápido na esposa e nos filhos que ainda dormem, um café apressado e a caminhada até o ponto de ônibus. O primeiro vem lotado. O segundo, pior ainda. (Quem sabe não era esse o que Mariana pegou?). O metrô tem cheiro de cansaço e pressa. Quase duas horas depois, finalmente chega ao trabalho. Ali, veste um sorriso profissional, cumpre suas obrigações, escuta cobranças e engole as preocupações que trouxe de casa. A cabeça pesa, mas não há espaço para fraqueza. Ele até já sonhou que estava trabalhando enquanto descansava do dia que se repetia em looping. Talvez aquele dia tivesse prova da faculdade, mas será que dará tempo? De chegar, pois estudar, era para ter sido no ônibus, mas faltou assento e sobrou pessoas.
Mariana, no trabalho, ouve alguém dizer que “todos temos as mesmas 24 horas”. Respira fundo. A patroa e sua filha almoçam correndo entre o curso de inglês e o pilates, é tudo tão rápido que não dá tempo de tirar a mesa, quem dirá lavar a louça. Enquanto Mariana planeja o caminho de volta com a ansiedade que o fato lhe causa, recebe uma foto da filha, que se apresentou na escola. Talvez fosse dia das mães ou algo assim. Sabe que ao fim do expediente, sua jornada continuará: compras, jantar, banho nas crianças, tarefas da escola, organizar a casa para o próximo dia. Não há descanso, não há pausa.
Carlos, a caminho de casa, pega o metrô lotado de novo, depois o ônibus. Desistiu de ir para a faculdade, talvez não só hoje. O tempo escorre entre os dedos. Ele também ouviu, mais cedo, alguém repetir a frase sobre as tais “24 horas iguais para todos”. Quis rir, quis gritar. Mas apenas seguiu, porque gritos não pagam contas e cansaço não é desculpa para quem precisa sustentar uma família. O Coaching mirim disse que é tudo culpa do seu mindset, Carlos até leu algo sobre isso em um curso na internet que ensinava a ganhar dinheiro. Infelizmente seu fone de ouvido foi roubado, ele ainda não chegou ao fim. Ele tem se esforçado para mudar seu mindset, tem realmente se esforçado.
Ao chegarem em casa, Mariana e Carlos não têm tempo para academia, para meditação ou para cursos extras que garantiriam um futuro melhor. Eles têm crianças para colocar na cama, louça para lavar, preocupação para tentar silenciar. O que sobra, ao fim do dia, é exaustão. E uma pergunta que ecoa entre os travesseiros: quem inventou que o tempo é igual para todos?
Porque não é.
Programar o despertador se tornou uma dor, porque sempre se lê que faltam tantas horas a menos do que se deveria, o tempo é sempre menor, em quantidade e qualidade... e de tanto ficar menor, parece desaparecer em meio ao piscar dos olhos, que abre em casa, fecha no ônibus e se perde no sonho.
Para alguns, o tempo é abundante, generoso, luxuoso. Para outros, é um jogo de sobrevivência, onde cada minuto precisa ser contado, cada segundo aproveitado para que o básico seja garantido. O impacto psicológico de uma vida sem respiros pesa. A culpa, o esgotamento, a sensação de estar sempre correndo contra um relógio implacável. Nem todos temos as mesmas 24 horas. E talvez seja hora de parar de fingir que sim. Pelo menos foi o que ouvi no Instagram ou em outra rede qualquer.