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Quem foi que deu nome para tudo que a gente sente?

Da Redação

| Edição de 04 de julho de 2024 | Atualizado em 04 de julho de 2024

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Aprendi ainda na adolescência que não havia em inglês uma tradução precisa para “saudade”, o mais próximo seria “I miss you”, algo como: “sinto sua falta”. Daí em diante, comecei a perceber que as palavras são apenas formas inteligíveis de se tentar nomear o que não pode ser nomeado. Tentamos muito dar sentido aos sentimentos, mas a gente nem sabe o que sente, quanto mais dar nome. Para mim, saudade é a casa da vó em um dia qualquer, a família reunida em volta da mesa, é o sabor do primeiro Sunday do verão com as primas... Eu não conseguiria trocar nenhuma dessas sensações por “I miss you”, então so sorry. 

Em meio as leituras destes dias, encontrei a palavra que melhor define essa minha saudade: HIRAETH. Essa palavra vem do Galês, e em miúdos, significa algo como “nostalgia ou extrema saudade de um lar ao qual você não pode retornar, ou que nunca foi um lar”. Na falta de palavras melhores, uma que não entendo pode explicar o que também não sei. Sinto Hiraeth daquilo que não volta mais, pois mesmo estando naquele mesmo lugar, quem a tornava um lar não está mais lá. E mesmo se estivesse, eu também já não sou a mesma menina que sonhava acordada com o amanhã, que se tornou o hoje e aos poucos vira passado. 

Ruy Barbosa escreveu há mais de cem anos: “Eu tenho saudade do que não vivi. Tenho saudade de lugares onde não fui e de pessoas que não conheci. Tenho saudade de uma época que não vivenciei, lembranças de um tempo que mesmo sem fazer parte do meu passado, marcou presença e deixou legado”. O famoso escritor, político, jornalista e por aí vai, escreveu sobre uma época que para ele as relações sociais eram modelos do que deveria ser. Nós, muitas vezes inominados e anônimos, também o fazemos, seja sobre o mundo político, mas também das memórias familiares que não são nossas, mas passam a ser. 

Ao ouvir nossos pais e avós, começamos a criar a nossa própria versão dos momentos que não vivemos e, com isso, vem a saudade e sensação de incompletude ante a inexistência da memória que não é nossa, principalmente quando os narradores se vão. Em Iídiche, existe a palavra Luftenmench, que seria algo como “pessoa aérea”. Essa talvez seja o meu complemento. Sempre achei que ser “aérea” fosse estar desatenta, perdida ou deslocada, mas a vida me mostrou o contrário. Muitas vezes, estar “aérea” é estar acima do que aqui acontece, é buscar um sentido maior para o que banal, comum e corriqueiro. Me perdoem os linguistas, mas eu traduziria isso como “sonhadora”. 

Sonhar é buscar sempre algo que está acima, mas não relacionado as trivialidades do consumo e da ganância. Ser sonhadora é ter a deficiência de realidade, acreditando que o mundo pode ser mais do que isso que se mostra aos nossos olhos. 

E por fim, é no sonho que tudo vira realidade, afinal, a sensação de “parecer real” é só o primeiro passo para que assim se torne. Sonho muito, e muitas vezes acordada. Faço planos para o futuro, mas também revisito o passado, com a sensação do que tudo que vivi me trouxe até aqui, mas sem a ideia de querer voltar. Entendendo isso, aproveito melhor cada instante do agora, intensamente o simples abraçar da manhã com o sol que surge no horizonte, pois se sou agora o que fiz (e fizeram de mim) ontem, serei amanhã o que fizer agora. Se sinto saudade, vivo intensamente para ser também a memória boa de alguém algum dia. Pode ser que eu viva mesmo nas nuvens, mas ninguém disse que lá é um lugar ruim para se estar.