Nas duas últimas semanas, um tema que pareceria bobo para os mais desatentos, se tornou uma coceira subcutânea e uma micro e constante dor por trás dos olhos, a incerteza de um futuro subscrito no agir de hoje. A famigerada cápsula do tempo, ainda me perturba. No primeiro texto falei sobre a relatividade do tempo entre a infância e a fase adulta. No segundo, trouxe que esse tempo não era relativo, já que alguém o fazia por nós. Agora, me deparo com uma reflexão que beira a loucura sobre o silêncio dos que não deixaram o barco quando ele afundava.
Meu pai me disse uma frase muito forte essa semana após eu falar sobre a (tão aguardada e enrolada) construção da minha casa: “eu vou poder morrer tranquilo”. De pronto, disse que pararia a obra ali mesmo, dando motivos para a sua permanência aqui, ainda que inquieta. Enquanto pais, projetamos nos filhos não apenas os nossos sonhos, mas fazemos de tudo para que os deles se realizem. Quando eu me realizo, meu pai se realiza. E assim será com os meus filhos e os filhos dos meus filhos, pois isso é o que aprendi, vou ensinar e assim por diante.
Tem dias que a gente está tão cansado que queria silêncio e paz, isso não é um problema, mas no primeiro minuto de silêncio vem a preocupação e vazio. Tem dias que a gente pensa em desistir de tudo, mas de repente, a gente simplesmente não pode, não tem essa escolha. Te convido a pensar agora, caro leitor e leitora, quem você realmente procuraria se a coisa ficasse feia? Quem te acolheria se você perdesse a sua casa? Quem te daria do próprio prato se não tivesse o que comer? Quem andaria descalço para que você não queimasse os seus pés? Se você tem a sorte de ainda ter os seus pais, eu sei a resposta. Se você não tem, eu sei que resposta gostaria de dar.
Eu tenho fotos demais para revelar e poucas para registrar toda emoção de cada dia comum como pai. Vi esses dias um coach dizendo que temos apenas 10 ou 11 verões com nossos filhos crianças e tal, mas se eu focar na viagem de verão, talvez eu perca cada flor da primavera. Essa perenidade da vida que há semanas me incomoda, me fez pensar que talvez a vida não seja uma corrida, onde cada volta me deixa mais longe da largada e perto do fim.
Talvez e só talvez, caro leitor e leitora, a vida seja um filme da Tela Quente ou uma viagem de carro em família. A gente sabe o tempo do filme e sabe que ele vai acabar, mas no meio, sempre tem uma propaganda nova, alguma coisa que nos leva ao dia de amanhã. Eu posso já ter assistido ao filme, mas não era só o filme, era com quem. Assim como a viagem de carro.
Quando eu era criança, sempre tive a impressão que a viagem de volta era mais rápida. Mas não era apenas uma percepção vazia, afinal, eu conhecia o caminho, sabia o que viria na sequência de cada cidade. Talvez nossa vida seja isso, uma viagem louca, que depois da metade nós conhecemos o caminho de volta, olhamos mais atentos a tudo e, nem sempre com os mesmos ocupantes.
Sem a áurea pesada de falar sobre a morte e o que ela representa, espero que seja qual for a resposta, um filme no sofá ou uma viagem no carro, morrer seja como adormecer nesses lugares e ser carregado para a cama. Essa é a maior demonstração de amor, carregar alguém dormindo para a cama, com a leveza que o sono pede, com o beijo que abençoa e olhar que protege. Mas por enquanto, esquece o sono, foca no filme e na viagem, nos comerciais e nos postes que passam rápido pela janela. Aqui, fecharei a urna que já está enterrada há semanas, para que haja outras cartas e recortes de jornais na próxima. Plim plim, comerciais.