BLOGS E COLUNAS

min de leitura - #

Titanic não era só um filme e a violência do cotidiano

Da Redação

| Edição de 29 de junho de 2023 | Atualizado em 29 de junho de 2023

Fique por dentro do que acontece em Apucarana, Arapongas e região, assine a Tribuna do Norte.

Quando eu tinha 9 anos encontrei um livro sobre constelações na biblioteca minúscula da minha escola. Foi o suficiente para que eu saísse pela rua “ensinando” sobre o significado de constelações que ostentavam no céu da minha rua. Eu só conhecia o céu da minha rua. Falei com os amigos que pouco se importavam, mas virei o comentário das mães, que me viam como modelo. Mal sabiam que eu inventada tudo que não lembrava. 

Foi neste contexto que minha tia-prima (chamo assim por ser minha prima, mas com idade de tia e ser mãe do meu primo quase irmão) me convidou para assistir ao filme “Titanic”, tão longo que era dividido em duas sessões. Era fevereiro de 1998, um ano antes eu havia ido pela primeira vez ao cinema, para assistir ao filme “Space Jam”. Lembro, com riqueza de detalhes, dos tapas que levei dos meus “amigos”, quando subi na cadeira para dançar a música de abertura, empolgado pela realização de um sonho. Já no filme Titanic, não vi motivos para vibrar tanto. 

Como meu aniversário de 10 anos se aproximava, ganhei de presente, na saída do Cine Vila do Rica, um pequeno diário azul com cadeado, algo que desejava por inspiração do desenho “Doug”. Denominei o livrinho de “Diário Cheiroso”, já que exalava um aroma maravilhoso de folhas novas. Começava meus textos com “Querido Diário Cheiroso” e descrevia o que achava pertinente. Durou meses, mas o hábito, anos. Meu primeiro texto, foi sobre o filme que assisti naquele dia. Lembro de detalhes do texto, pois me marcou muito escrever sobre uma tragédia como aquela, ainda que a história de amor de Jack e Rose pudesse inspirar. Escrevi sobre as pessoas mortas, sobre a grandeza do navio e da coincidência de minha avó ter nascido em 1912. Ela havia morrido pouco antes de eu ter ido ver Space Jam, talvez por isso minha mãe tenha autorizado e me dado “suados” R$10,00, com os quais paguei a entrada, comprei pipoca e uma casquinha do McDonalds. A coca foi presente da tia Maristela, mãe do Gabriel. 

Em meu texto havia sofrimento de uma criança que não entendia a morte, ainda mais de tanta gente, incluindo crianças e um casal de idosos abraçados em sua cama. Só depois na adolescência, quando trabalhei em uma locadora, entendi a diferença das classes sociais no acesso aos botes e o tratamento desigual nas acomodações. Mesmo sendo um adolescente, senti raiva do noivo de Rose, um pouco de sua mãe, mas não dos demais. Seja por inocência ou por empatia, me incomodava mais a falta de espaço para o Jack na porta, do que os espaços vazios nos botes. 

Há alguns dias, uma tragédia foi narrada como uma cena de um filme de terror, sem seres sobrenaturais ou jump scare. As notícias traziam a tragédia anunciada de cinco homens que ficaram perdidos no mar em uma cápsula que os levariam para ver o Titanic nas profundezas do Oceano Atlântico. E, em um misto de ficção e triste realidade, os espectadores contavam as horas para o que seria o fim do oxigênio e, consequente, morte dos tripulantes. Uns pediam a Deus que protegesse os exploradores, outros faziam chacota com a aventura, focando no fato de serem ricos, milionários. As mortes reais superaram o filme, seja pelo engajamento ou distanciamento da realidade dos fatos. Pessoas estavam prestes a morrer e uma plateia atônita acompanhava as informações, o novo entretenimento se mostrava mais mórbido e, ao mesmo tempo, banal como um roteiro mal elaborado. 

Senti medo, mais do que quando criança, pois via agora a comemoração da morte e sua banalização. Nem os tapas que levei no cinema me deixaram tão envergonhado, pois agora não me via mais como uma criança empolgada, mas como um adulto desiludido. 

PS: hoje é o aniversário de 2 anos da minha pequena Nina, ao menos isso me dá esperança.