Tristeza, apatia, falta de esperança e de energia. É assim que um jovem apucaranense descreve como se sente, e acredita ser um quadro de depressão. O rapaz, que pediu para ter o nome preservado, ainda não teve diagnóstico preciso porque aguarda consulta psiquiátrica. Ele está entre as cerca de 600 pessoas na fila de espera por atendimento e o tempo para o início do tratamento pode demorar até nove meses. Os dados são do departamento de Saúde Mental da Autarquia Municipal de Saúde (AMS) de Apucarana e Centro Regional de Atenção Psicossocial Nova Mente (Caps) de Cambira, que proporcionam atendimento regional por meio do Consórcio Intermunicipal de Saúde do Vale do Ivaí e Região (Cisvir).
“A saúde mental é algo que agora tem interesse maior da sociedade, porque a sociedade está adoecida. No entanto, faltam profissionais capacitados para atender a demanda”, assinala a coordenadora de saúde mental da AMS, Lilian Domingues.
De acordo com ela, consultas são realizadas no Ambulatório de Psiquiatria do Hospital Regional do Vale do Ivaí, em Jandaia do Sul. Cinco psiquiatras são responsáveis por atender a demanda de pacientes de toda a região. Com a escassez de psiquiatras na região e diante do grande número de pacientes, houve necessidade de reavaliar os casos para selecionar os mais urgentes e um novo sistema de triagem foi implantado para reduzir a fila.
O objetivo é que apenas transtornos severos sejam encaminhados para a rede de psiquiatria e os leves sejam atendidos pela atenção básica em saúde.
“Se conseguirmos fortalecer a atenção básica com certeza a fila da especialidade vai diminuir. A psiquiatria é uma especialidade de maior complexidade. É como a cardiologia. Não é todo mundo que tem pressão alta que precisa necessariamente se consultar com um cardiologista. Um médico da unidade básica de saúde pode atender esse paciente. Então, não é porque a pessoa está com depressão que necessariamente deve se consultar com psiquiatra. É o que estava acontecendo. Todos os casos estavam sendo encaminhados ao psiquiatra, o que tornou a fila de espera extensa e difícil de planejar”, explica o enfermeiro do Departamento de Saúde Mental da AMS, Gilson Altoé Junior.
FALTAS
Mesmo após aguardar meses, muitos pacientes deixam de comparecer à consulta. Levantamento do departamento de saúde mental aponta cerca de 60 faltas na consulta por mês. “O ambulatório tem capacidade para atender 100 consultas por mês e temos que encaixar as 600 pessoas que estão na fila de espera”, relata Lilian.
O processo de entrega da guia de consulta foi modificado. Agora, o paciente é obrigado a comparecer na AMS para assinar um termo de comprometimento, para só então e retirar a guia. O impacto tem sido significativo de modo que as faltas caíram para menos de 10 por mês.
Meta é reduzir espera para 3 meses
A reorganização da fila segue um roteiro pré-estruturado que investiga a história pregressa e atual do paciente. “A maioria das guias de encaminhamentos não informam o problema. Então, com a ajuda de quatro voluntárias, estagiárias de psicologia, começamos a chamar essas pessoas até a autarquia para uma conversa, para saber se é um caso de transtorno mental ou se é um sofrimento leve que possa ser encaminhado para atenção básica”, explica a coordenadora de Saúde Mental, Lilian Domingues.
Ela revela que durante o trabalho de triagem chegou a identificar casos que deveriam ser encaminhados ao atendimento básico. “Já encontrei pessoa com conjuntivite aguardando consulta na fila de psiquiatria. Tivemos outros casos de pessoas com problemas sem relação com distúrbios mentais e que estavam na fila de psiquiatria ocupando vaga”, diz.
Lilian explica que a estratégia consiste no trabalho desenvolvido por uma equipe multifuncional. “Na saúde mental precisamos focar na equipe multifuncional. Focamos muito ainda no psiquiatra, na questão médica. Mas o atendimento de saúde mental não é só no Caps e no Hospital Regional. Também acompanhamos os serviços de urgência e emergência, UPA, Hospital da Providência, onde há um leito psiquiátrico. Atendemos os casos e damos continuidade ao tratamento”, assinala.
O processo de triagem começou em setembro deste ano e o objetivo é reduzir o tempo de espera até 3 meses. “O tempo ideal seria conforme a necessidade do paciente”, assinala a coordenadora. Em casos severos, que necessitam de consulta urgente, o departamento providencia justificativa técnica para adiantar o atendimento.
Preconceito ainda é
barreira para pacientes
Há mais de 20 anos em tratamento, o apucaranense Sérgio Oliveira, 47 anos, diz que seu maior obstáculo nunca foi sua doença, e sim o preconceito. Ele conta que descobriu ser portador de transtorno bipolar afetivo ainda jovem, época em que esse tipo de distúrbio era pouco conhecido. “Meu primeiro diagnóstico foi depressão. Na época estava no quartel e um coronel chegou a dizer que isso era coisa de boiola. Desde então passei a ter medo de contar sobre meu problema porque a sociedade não entende, e lida com muito preconceito”, conta.
Oliveira conta que poucas pessoas sabem sobre o seu problema. “Tenho vergonha de contar, até dentro da minha própria casa, por que as pessoas acham que é frescura. Mas ninguém sabe como é difícil, como é sofrido”, desabafa.
Sobre a fila de espera, ele que já está em tratamento, disse que mesmo para agendar o retorno existe demora. “Aguardei mais de 60 dias para uma consulta realizada em outubro. Em outra situação, o departamento conseguiu me encaixar. Eles me ajudam muito e sei que para existir melhora da doença não depende só do tratamento, depende muito mais do paciente”, conclui.
O jovem apucaranense - do início da matéria – está há dois meses aguardando consulta. Ele pediu para não ter o nome divulgado porque também tem medo de sofrer preconceito. “Eu não queria sentir isso, é muito ruim. Só espero que o tratamento funcione”, comenta.