Fique calmo caro leitor e leitora, esse texto não se trata de uma campanha contra a tal fruta, mesmo que essa fosse a minha vontade. O título polêmico (nem acho que seja tão assim) é só uma forma de chamar atenção para a narrativa que me proponho doravante.
Eu nunca comi jaca, mas posso garantir que sei o seu “sabor”. Minha mãe sempre amou essa fruta e, quando ela a adquiria, ao abrir a casa já se tornava um ambiente “jacoso”. Depois de se deliciar com os gomos grudentos, ela guardava o restante na geladeira. Eis o ponto chave, pois todos os alimentos daí em diante tinham sabor de jaca, mesmo um ovo frito tinha seu sabor alterado. Como bom jovem de uma casa simples, nossa água era gelada em uma jarra (às vezes em forma de abacaxi) que pareciam ser um Ki-Suco de Jaca após algumas horas.
Já deu para perceber que eu não gosto de jaca, não é? Mas você sabia que em algum lugar e em algum horário que eu não tenho certeza, uma jaca caiu na cabeça de um homem, levando a óbito. Em uma rápida busca pelo Google, achei inúmeros casos que comprovam minha “teoria”: JACAS SÃO ASSASSINAS. Não se trata de uma mentira, jacas já mataram pessoas, posso “provar” com fatos tirados da “internet”.
Agora, imagine eu iniciar uma campanha contra o cultivo de jaca por esses dados? Eu não gosto de jaca, mesmo sem ter experimentado, e podemos observar que elas matam. “Pelo fim das jacas já”. Não é mentira, mas também não chega a ser uma verdade. É possível existir uma “meia-verdade”? Se eu mandar para a minha mãe que jacas são assassinas, de preferência em um link repleto de marcas respeitadas (coladas direto do editor de imagem), talvez com um gráfico e uma sinalização brilhante, ela pode nunca mais comer jaca.
A mentira deixou de ser reconhecida na internet, pois os gatilhos de veracidade se destacam, dando sempre a sensação de autoridade com nomes de pessoas que deveríamos conhecer, mas nunca ouvimos ou lemos sobre. A distorção ou manipulação da verdade também é mentira, o que hoje chamamos de “fake” (mentira) News (notícias). O exagero, o sensacionalismo, a distorção, o negacionismo e a relativização são meios importantes de manipulação das massas, mas não precisa confiar em mim, vai que estou mentindo agora mesmo?
A PL2630 (Projeto de Lei 2630/20 que visa instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet) que ainda é repleta de lacunas no imaginário social, é uma tentativa de barrar a propagação de conteúdo inadequado nas redes. “Ah Bomba, mas isso não é censura?”, você pode me perguntar. Será que a liberdade ilimitada e sem qualquer responsabilização pelo que propagamos é um caminho seguro? Quantas pessoas não morreram por desinformação e/ou discursos de ódio?
Nem todo alemão da década de 1940 era nazista e muitos eram motivados por vídeos que “justificavam” ações eugênicas no solo sagrado de um povo germânico milenar. Mas e aqueles que sabiam o que de fato acontecia nos campos de concentração e nada fizeram? São cúmplices, vítimas ou espectadores? Não quero comparar as duas situações, apenas dar um exemplo de como a psicologia das massas funciona. A minha “verdade” sobre as jacas pode trazer outros “odiadores” de jacas para a minha missão de vida e em pouco tempo, podemos estar perseguindo vendedores de jacas por aí.
Por fim, não provarei jaca, eis uma aventura que não quero ter. O destino e o complexo de Édipo me fizeram ter uma esposa que ama jaca e, além disso, gerou filhos que gostam de jaca. Me recuso a comprar jaca e jamais guardarei na minha geladeira, mas eles comem se esbaldando na chácara quando não estou lá. Imagine só se minha campanha perseguisse não apenas vendedores de jaca, mas também seus consumidores? Talvez fosse tarde demais para recuar, por minha mãe, esposa e filhos. Ainda bem que só não gosto de jaca, afinal, são assassinas, e não fiz nenhuma campanha. Mas isso é só a minha opinião.