Foi em uma segunda-feira, 23 de agosto de 2010 que ele nasceu, ao menos para o triste personagem secundário dessa história. Clark, nome inspirado no Homem de Aço das HQs, era só um filhotinho com muitos irmãos e irmãs, em uma pequena jaula de uma loja que não existe mais. Seu pelo branquinho e olhos desproporcionalmente grandes foram as primeiras impressões que o fizeram ser escolhido.
Clark não era um cachorro comum, não latia como os demais, ao invés disso, rosnava lentamente como quem quisesse formar palavras. Há quem diga, que se você ficasse em silêncio o suficiente, focado na forma como ele emitia seus sons, que ele realmente falava. Pedia comida, água, carinho e colo. Ah, o colo! Mal acostumado a ser o único e o centro das atenções, o colo era só seu, cabia nos braços como um bebê, mesmo quando já não mais o era. Ele era um velhinho com poucos meses, meu Benjamin Button, nascera com espírito de idoso e já com cabelos tomados pela neve do tempo que ainda nem chegara.
Disseram que ele não era humano para ser tratado como tal, mas mesmo assim, lá estava ele no colo durante o réveillon, no banco de trás do carro e em cima da cama. Teve cabelos pintados de roxo, ganhou uma roupa Adidas tal qual o personagem secundário entristecido, desfilou segurado pela coleira, andou pela grama com medo de sujar as patas e dormiu, como dormia em qualquer lugar e situação, essa era a forma de vê-lo, em um sono eterno intervalado pelos pequenos passos.
Veio a pequena companheira, depois os dois irmãos maiores, ainda assim, seu lugar era do que chegou primeiro, o que abriu as portas para o coração endurecido do personagem secundário - agora entristecido. Logo, deixou de receber o esperado sachê especial, pela ração que todos comiam, o que não significava menos amor, mas aprender a comungar, dividir e ser parte de algo maior. Perdeu um olho em uma brincadeira, mas nem nessa hora ele chorou, a dor não parecia ser um grande problema, tanto quanto era para quem o levava ao veterinário. Parecia que no colo, tudo era resolvido.
Quando os pequenos humanos chegaram, ele foi um dos primeiros a dar boas vindas com aquela cheirada, mesmo que depois fingisse não se importar, ignorando mesmo os puxões de seus pêlos quando as pequeninas mãos ainda não sabiam suas forças. Em toda refeição dos humanos, fazia seu show, batendo as patinhas daqui para lá e de lá para cá, com grunhidos ora baixinhos, ora ensurdecedores. Ganhava um pedaço de qualquer coisa, comia e voltava a dormir o sono infinito que tinha, ali em um cantinho qualquer da sala, sobre uma almofada ou a cobertinha, feliz companheira. Mal ligava se ao lado estavam seus irmãos, humanos ou não.
Meses antes de completar seus quinze anos, o que em idade de cachorro significa muita coisa, um acidente o feriu de uma forma diferente de tudo que até então tinha sentido. Ainda assim, um colo parecia calar a dor que sentia. Cirurgias foram capazes de colocar tudo no lugar – ou quase. Mas dessa vez, mesmo silenciosa, a dor parecia ser forte demais e então aquietou-se. A despedida do personagem secundário foi no entardecer da sexta-feira, mas foi só no sábado pela manhã que a noticia chegou.
No dia 07 de junho de 2025, um sábado nublado marcou o fim de uma era, de uma vida e de uma história, mas não de um amor. Depois de cavar um buraco adequado que o guardaria eternamente, o personagem secundário o segurou no colo pelo maior tempo possível, esperando que talvez e só talvez, um colo fosse necessário para que ele voltasse, mas como sempre ele dormiu, como se fosse um bebê no primeiro dia.