GUILHERME BOMBA

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O coração que bateu até o último sinal – Silvaneide vive

Da Redação

| Edição de 05 de junho de 2025 | Atualizado em 05 de junho de 2025

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A reunião seguia seu curso. A pauta era conhecida: metas, plataformas, índices, gráficos coloridos que dizem tudo, menos a verdade. Sentada entre colegas, Silvaneide ouvia. Não reclamava. Apenas ouvia. Porque era assim que ela fazia: escutava até o fim, com aquele silêncio de quem já aprendeu a engolir o cansaço para que a aula não faltasse. Só quem já foi PSS no Paraná sabe o que é ser professor e não ser tratado como tal. E então, de repente, o corpo disse não.

Silvaneide morreu ali — dentro da escola, entre paredes que conheciam sua voz, sua presença, seu riso tímido, suas pastas organizadas. Morreu como vivem tantos professores: trabalhando. São muitos professores que morrem em vida todos os dias, alguns conhecemos pela fama do passado glorioso, mas que calados entram e saem dos corredores, emburrados com a vida ou com o que ela se tornou, seja no público ou no privado.

Não foi apenas um infarto. Foi o colapso de um sistema que transforma educadores em operários de metas inalcançáveis. Foi a exaustão que se acumulou em planilhas, em cobranças, em tecnologias impostas sem afeto. Foi o coração dizendo: “basta”. Se antes diziam que alunos eram números, agora professores também se tornaram apenas metadados de um sistema que é tudo, menos educação.

Silvaneide era professora de Língua Portuguesa — e talvez por isso soubesse o valor exato das palavras. Mas ninguém a ensinou a conjugar o verbo “desistir”. Preferia o “insistir”, o “acreditar”, o “recomeçar”.

Até o fim, foi isso que fez.

Há quem diga que professor é missão de vida. Por isso odeio o pequeno 15 de outubro, que transforma em bombom o que deveria ser respeito e orgulho. Será mesmo que todos os médicos, advogados e engenheiros que se formam por aí, esqueceram de tantas Silvaneides que os levaram a glória? Ou foi o sistema que os julga menor, em reconhecimento e importância. Ninguém é insubstituível, isso é fato, mas na velocidade que um professor é trocado, quando adoece, quando emputece, quando morre... é surpreendente.

Talvez ela não soubesse, mas seu nome agora é símbolo. Símbolo de todos que já se sentiram apertados entre a vocação e a falta de condições. De todos que já deram aula com febre, com dor, com luto. De todos que corrigem provas de madrugada e ainda sorriem pela manhã. Eu não sou uma máquina, ela também não era. Quem monta o calendário não corrige prova? Quem vê nota, acha que é uma máquina que faz a correção? A gente pode até morrer, mas continua vivo, porque atestado também atrapalha a elevação no Estado.

Porque ser professor no Brasil é isso: um exercício diário de resistência e ternura. E ainda assim, nos cobram mais. Nos pedem números, metas, relatórios. Querem que sejamos técnicos de dados e mágicos da motivação. Querem que os alunos passem — mas sem passar por nós. Silvaneide não voltará. Mas sua cadeira vazia grita. Grita por humanidade. Grita por respeito. Grita por todas as vezes em que um professor foi tratado como engrenagem e não como gente.

Que sua morte não seja estatística. Que seu nome vire palavra viva nos corredores. Que sua história nos lembre do que importa: que nenhuma meta vale uma vida. Que nenhum plano pedagógico justifica a perda de um coração bom. E que, da próxima vez que quisermos medir o sucesso de uma escola, que perguntemos: quantos ainda vivem ali com dignidade?