Marcos sempre chegou cedo.
Não por amor à rotina, mas por respeito ao ruído das engrenagens. Achava que chegar no horário era sua forma de existir ali. E, por muito tempo, foi. Seu nome constava nas listas, sua assinatura enfeitava papéis, seu sorriso fazia parte dos corredores. Mas, agora, já não fazia.
Ele não estava cansado. Não no sentido que os outros compreendem, esse das costas arqueadas e da vontade de feriado. Era outro tipo de exaustão. Um esvaziamento que não vinha do excesso, mas da ausência.
Ausência de sentido. De encaixe. De pertencimento.
Marcos estava num lugar que já não o continha.
As paredes do escritório — antes molduras de conquistas — tornaram-se espelhos maldosos que o lembravam, dia após dia, que ele já não cabia ali. Os sons, os rostos, os planos, tudo parecia seguir uma sinfonia que não lhe incluía mais. Era como assistir à própria vida no mudo.
O curioso é que ele continuava fazendo tudo certo.
Entregava os relatórios, participava das reuniões, respondia e-mails com pontuação impecável. Ninguém perceberia, não de imediato, que Marcos já havia partido por dentro. Mas os vazios, ah… eles têm cheiro.
E os dele já começavam a perfumar os corredores. Seu cheiro, fosse bom ou ruim, todos faziam questão de comentar – era sua marca, sua lanterna na cabeça quando tentava passar despercebido.
Em casa, a desconexão continuava.
Não por culpa da esposa, dos filhos, da comida quente ou da cama arrumada. Mas porque tudo o que ele trazia do trabalho era silêncio. Um silêncio pesado, daqueles que não se despe na porta.
E ali, no meio da sala, com o controle remoto nas mãos, ele se perguntava: até quando se vive onde não se é mais?
Há lugares que mudam. Outros, nos mudam. Mas alguns apenas nos expulsam em silêncio.
Marcos entendeu isso sem que ninguém dissesse nada.
Apenas soube, como quem escuta um refrão antigo ecoando no peito: não é mais aqui.
E então, não por coragem, mas por necessidade de ar, ele deixou de chegar cedo. Deixou o crachá na mesa, como quem entrega um nome antigo.
E saiu. Porque há momentos em que permanecer é o que mais nos distancia de nós mesmos. E a vida, mesmo com boletos, filhos e compromissos, ainda exige um mínimo de verdade.
Verdade? Infelizmente para Marcos ainda não existia essa verdade. Ele não saiu. A história poderia e deveria ter acabado ali, mas não é assim que acontece do outro lado do teclado e do papel. Os boletos, os filhos e os compromissos exigem verdade, sem dúvidas, mas a verdade é que a escolha é sempre precedida de uma nova forma de verdade.
Só existe sair de verdade, quando existe verdade em um novo lugar. A verdade em si não é suficiente para se viver de verdade.
- Que merda de verdade é essa? Perguntou Marcos a si mesmo diante do espelho. Com medo da resposta, mentiu para o rosto que via refletido e foi para sua mentira, ainda não chegara a hora de sua verdade