O nome dele era Mateus - nome simples, bíblico, quase irônico para quem passava despercebido a maior parte do ano.
Em dezembro, porém, Mateus existia. Nesses dias, ele sentia o mundo diminuir o passo. As pessoas olhavam mais devagar, falavam mais baixo, tocavam mais fundo. As mãos que nunca se estendiam surgiam cheias: sacolas de roupas, marmitas improvisadas, cestas básicas organizadas com a consciência em ordem alfabética. Havia lágrimas sinceras diante de vídeos com o rosto de Jesus - aquele Jesus de olhos claros, barba bem aparada e luz perfeita, tão distante do espelho real.
Mateus observava. Sempre observou. Via gente chorar ao ouvir canções sobre amor, enquanto desviava do mendigo na calçada. Via discursos inflamados sobre fé, gravados em celulares caros, seguidos de passos rápidos para não encarar o cheiro da pobreza. Em dezembro, o amor parecia obrigatório. Em janeiro, inconveniente.
Ele sabia: se Jesus estivesse ali, seria ignorado. Parecia muito mais com o mendigo do que com o doutor. Jesus não usava terno, não ostentava ouro, não caminhava entre os poderosos por conforto. Caminhava entre os que precisavam. Condenava o pecado, mas nunca abandonava o pecador. Julgava menos do que abraçava. Acolhia antes de perguntar. Curava antes de explicar.
Mateus sentia-se amado no Natal - e esquecido logo depois. Como se o amor tivesse prazo de validade.
O curioso é que muitos dos que falavam em “mudar o mundo” não queriam pessoas melhores, queriam pessoas eliminadas. Confundiam justiça com extermínio, ordem com silêncio forçado. Diziam querer acabar com a pobreza, mas não suportavam os pobres. Queriam acabar com as drogas, mas não perguntavam por que alguém havia caído nelas. Queriam acabar com o crime, mas só sabiam repetir o velho olho por olho - esquecendo que as trajetórias nunca são iguais.
Jesus amou Dimas na cruz. Hoje, talvez fosse apedrejado por quem envia mensagens de Natal com emojis de anjo.
Quando as luzes se apagam e o presépio volta à caixa, fica a pergunta que Mateus nunca precisou fazer - porque sempre soube a resposta:
Quem você é quando não precisa parecer bom?
Quem você é quando não há música, nem ceia, nem câmera?
Quem você é depois do Natal?
Porque Cristo não nasce em dezembro.
Ele passa por nós todos os dias - e quase sempre segue adiante, ignorado.
Talvez valha lembrar neste mundo doentio, em silêncio e sem aplausos: isso não é sobre política - é sobre humanidade; e quem insiste em ver ideologia onde há gente, talvez precise de mais dezembros no coração e de menos promessas vazias de Ano Novo. E Mateus seguiu com o coração pesado e lúcido, compreendendo que o amor praticado apenas em dezembro serve mais para aliviar consciências do que para alcançar pessoas - e que, enquanto isso não mudar, ele continuará existindo apenas quando convém.