Lá pelos idos dos anos 2000, havia um comercial que não me sai da memória. Era daquelas propagandas que grudam na alma feito jingle antigo. Um menino recebia um copo de suco Tang do tio Jaime — sempre ele, o solícito, o prestativo, o “servidor” oficial da casa. O garoto, com ares de pequeno déspota, dizia algo como: “Jaime, você não se cansa de me servir?”. E Jaime, com um sorriso entre a leve ironia e a sabedoria de botequim, respondia: “Servir não significa ser empregado. Significa estar disponível.” Pelo menos assim passava na cabeça dos que viam, afinal Jaime, chamado pela mãe do menino, era um mordomo, não falava, assim como o menino. A propaganda ainda que sagaz e ácida, trazia a desigualdade da vida, mas doce como tal bebida.
Pronto. Era isso. Uma propaganda de suco sintetizando uma filosofia de vida que até hoje vale mais do que qualquer pozinho sabor laranja.
A publicidade, é verdade, muitas vezes escorrega no simplismo. Mas ali, entre um copo de Tang e outro, havia algo verdadeiro. Havia ternura. Porque no mundo onde o orgulho se ergue mais alto que a gentileza, ser disponível tornou-se ato de rebeldia.
Disponibilidade é uma dessas palavras que parecem simples, mas carregam um mundo nas costas. Não falo aqui da disponibilidade que nos cobram os chefes, os relógios ou os aplicativos que monitoram nossos passos. Falo da disposição sincera, que se oferece sem cobrança, sem fatura, sem dívida. Aquela que se manifesta quando alguém atravessa um momento difícil, e você simplesmente diz: “Estou aqui.”
Ser disponível, portanto, não é se anular. É se permitir. É dar sem se perder. É saber que, às vezes, uma palavra dita no momento certo salva um dia — ou uma vida. É saber que quem se dispõe a ajudar não se faz menor, mas cresce. E quem recebe a ajuda, se for sensível o bastante, cresce junto.
Nos tempos apressados em que vivemos, ter alguém que nos ajude parece luxo. Um luxo mais raro que trufas brancas ou safiras do Ceilão. Mas não deveria ser. O mundo seria menos cinza se mais pessoas escolhessem ser como o Jaime — não por obrigação, mas por convicção. Não por servidão, mas por empatia. Ele tinha salário, mas não era só isso.
E talvez o maior tesouro da vida esteja mesmo nesses instantes: ‘o dia em que alguém nos estendeu a mão sem que pedíssemos.
O instante em que fomos a ponte para alguém atravessar seu próprio abismo.
E aquele raro momento em que entendemos — entre um gole de suco e outro — que servir, no fundo, é uma forma delicada de amar.
Porque, no fim, o tesouro da vida nunca esteve num cofre ou numa conta bancária. Ele está nos pequenos gestos. Nas gentilezas inesperadas.
Aquilo que você busca no momento pode ser servido como um suco embaixo da Torre Eiffel e não um champagne, pois é o quê, mas com quem e onde.