Nesta semana, muitos colégios finalizaram as provas trimestrais e os alunos receberam suas notas. Hoje não falarei aos alunos que sempre falo, mas aos pais, que receberão os famigerados boletins.
Quando eu era criança, temia por essa data, a da reunião de pais.
Não que eu tivesse “problemas” com notas, mas porque o momento por si só era sempre assustador. Meu amigo Juliano, que hoje é padrinho da minha filha mais velha, dividia comigo essa ansiedade. Um aluno sempre nota 10, passava mal todas as vésperas da reunião.
Lembro do dia em que seu pai, um grande homem em todos os sentidos, questionou o fato de haver um 9 em meio a um mar de 10.
Ainda que eu fosse uma criança, aquela cena mexeu demais comigo.
Minhas notas eram boas, nunca fiz uma recuperação, sequer fui advertido, mas havia sempre um comentário das professoras naquele momento para minha mãe: “Ele é ótimo, mas parece que engoliu um rádio”. Depois de muito sofrer com a minha incapacidade de controlar meus impulsos, descobri já adulto que se tratava de algo além da minha vontade, minha amiga hiperatividade.
E como ela nunca anda sozinha, entendi que muito daquilo que eu sofria para controlar tratava-se de algo além da minha falta de atenção ou por simplesmente fazer “arte”, havia um déficit de atenção, um T.O.C. e por aí vai.
Entender isso antes de ser pai foi libertador, afinal, pasmem, isso é genético.
Para além de contar a minha história ou do Juliano, quero destacar como somos diferentes em um mosaico que busca ser padrão. Já disse várias vezes aqui, sobre bons alunos, sobre habilidades e, claro, sobre resultados, mas o processo é tão importante como o fim.
Nenhum aluno, ou melhor dizendo, nenhuma pessoa é capaz de ser boa em tudo. O grande problema é que temos a errônea ideia de que precisamos ser o melhor em tudo, deixando tudo medíocre, na média. Se não entendermos as limitações de cada pessoa, tendemos a castrar suas maiores qualidades em busca de satisfazer suas limitações.
O boletim escolar deve ser visto como um aviso, não como uma sentença.
Existem coisas demais que não cabem nas médias escolares. A escola não pode ser apenas um espaço para quantificar e classificar os alunos entre bons, médios e ruins. É um espaço de descoberta pessoal. É na escola que reconhecemos nossos valores e aptidões, ali formamos quem seremos no futuro. Sempre digo que estou professor, mas sou muito mais do que isso. Minha profissão é parte de mim e não o todo. Por que com os alunos deveria ser diferente?
Não pense, senhores pais, mães, tios e avôs que estão lendo esse texto, que notas não são importantes, mas quero dizer que não são o ponto mais crucial. Devemos incentivar, apoiar e dar suporte para que haja uma recuperação dessa nota, afinal, ela serve também para “passar de ano”.
Incentivo sempre meus alunos a fazerem grupos de estudos, ensinarei uns aos outros aquilo que sabem, pois há concorrência demais na vida, por quê forçar isso já na escola? E, de bônus, incentivamos a empatia com os colegas, já que todos nós em algum momento passamos por isso, o sentimento de incapacidade. Nós, pais e professores, devemos olhar para os alunos com a memória do que já sentimos, mas infelizmente, na maioria das vezes, tentamos encaixar a singularidade da peça – que são os nossos filhos -, em um quebra-cabeça que nós idealizamos. E devo dizer, nem sempre encaixa. Por isso, sugiro trocar o quebra-cabeça por uma tela em branco, para que possamos com todas as nossas cores formar um belo desenho do futuro destes que tanto amamos.