A economia brasileira continua a mostrar sinais de aquecimento, desafiando as expectativas de que os altos juros, parte da política monetária contracionista, pudessem impactar negativamente o mercado de trabalho. Pelo contrário, o Brasil segue criando empregos, conforme apontam economistas consultados pela Agência Brasil, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).
Divulgada recentemente, a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que a taxa de desocupação no trimestre encerrado em junho atingiu o menor nível já registrado desde o início da série histórica em 2012, marcando 5,8%.
A Pnad Contínua também destaca que o país alcançou um recorde no número de pessoas ocupadas, totalizando 102,3 milhões, o que representa um aumento de 1,8 milhão em relação ao primeiro trimestre. Além disso, o número de trabalhadores com carteira assinada chegou a 39 milhões, e o rendimento médio mensal foi de R$ 3.477.
Surpresa no Mercado de Trabalho
Para o economista Gilberto Braga, professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), a queda da taxa de desocupação para abaixo de 6% foi uma "bela surpresa". Ele esperava um aumento, e não uma diminuição, especialmente em um cenário de alta dos juros, com a Selic atualmente em 15% ao ano.
“O resultado é surpreendente, não apenas pelo desemprego absoluto, mas em todas as formas de cruzamento: houve aumento da contratação de pessoas com carteira assinada, diminuição da informalidade e aumento da remuneração média do trabalhador.”
A pesquisa também apontou que a taxa de informalidade, que mede a proporção de trabalhadores sem direitos trabalhistas, foi de 37,8% no segundo trimestre, a menor desde o mesmo período de 2020, quando foi de 36,6%.
Impacto dos Juros Altos
A taxa básica de juros da economia, a Selic, é decidida a cada 45 dias pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) e é a principal ferramenta para alcançar a meta de inflação, atualmente em 3% ao ano, com uma margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
Desde setembro de 2024, a inflação oficial calculada pelo IBGE tem ultrapassado o limite máximo da meta, de 4,5%. Em junho, o acumulado de 12 meses do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 5,35%. Este cenário justifica a manutenção da Selic em níveis elevados.
O aumento da Selic começou em setembro de 2024, quando o Copom elevou a taxa de 10,5% para 15% ao ano, o maior patamar desde julho de 2006. A última reunião do Copom manteve a taxa neste nível.
Os juros altos têm um efeito contracionista, encarecendo os empréstimos e desestimulando investimentos, pois pode ser mais vantajoso manter o dinheiro investido em juros altos do que arriscar em atividades produtivas.
Esse cenário tende a frear a economia, o que geralmente resulta em menos emprego e renda. Segundo o BC, o efeito da Selic na inflação leva de seis a nove meses para se tornar significativo.
Resiliência do Mercado de Trabalho
O economista Rodolpho Tobler, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), observa que o cenário econômico atual é "contraditório". Apesar dos juros elevados, o mercado de trabalho continua a acompanhar o ritmo da atividade econômica.
“Parece um pouco contraditório esse resultado, dado que a gente vive um momento macroeconômico muito complexo, com taxa de juros em patamar bastante elevado, mas o mercado de trabalho tem seguido o ritmo do que se tem visto da atividade econômica. Enquanto a economia gira em ritmo forte, a taxa de desemprego e o mercado de trabalho vão na mesma linha”, completa Tobler.
Fatores de Sustentação
O economista Sandro Sacchet, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que o mercado de trabalho demora a responder às variações na Selic, tanto para baixo quanto para cima. Dois fatores ajudam a explicar essa resistência: a manutenção dos valores mais altos do programa Bolsa Família em R$ 600 e a maior inserção de trabalhadores por conta própria na economia.
“Isso faz com que o mercado de trabalho responda mais ao consumo das famílias e menos ao investimento das empresas”, explica Sacchet. “O mercado de trabalho consegue se sustentar por causa do consumo das famílias e da manutenção da renda por conta de um benefício do Bolsa Família maior”, completa.
Segundo a Pnad, o contingente de pessoas que trabalham por conta própria soma 25,7 milhões, o maior já registrado. Muitos desses trabalhadores são informais, o que torna o mercado de trabalho mais dependente do consumo das famílias.
“Essa mudança estrutural do mercado de trabalho ajuda a explicar um pouco por que a ocupação e a renda têm respondido de forma ainda mais devagar aos movimentos da taxa de juros”, complementa.
No entanto, Sacchet ressalta que o nível de emprego não é imune à Selic mais alta. “Com o tempo, vai acabar afetando a taxa de desemprego”.
Perspectivas para o Futuro
Para Rodolpho Tobler, nos próximos seis meses e em 2026, o ritmo de crescimento do mercado de trabalho pode não se manter, pois a economia tende a "esfriar".
“A gente não espera que a taxa de emprego suba muito, que o comércio tenha uma grande demissão em massa. A gente espera só que o emprego não continue nesse mesmo ritmo tão forte, como se observa desde 2023, especialmente 2024, e agora essa primeira metade do ano”, conclui.
Sandro Sacchet prevê uma "pequena elevação" na taxa de desemprego, que deve voltar a cair no final do ano, com as contratações de Natal. “A taxa de desemprego deve permanecer em níveis menores que do ano passado até o final de 2025”, estima.
Com informações da Agência Brasil