Conflitos não se resolvem apenas com armas, mas também com palavras. Enquanto operações policiais ocorrem nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, governadores aliados ao chefe do executivo fluminense, Cláudio Castro, lançaram o “Consórcio da Paz”. Este projeto visa integrar esforços para combater o crime organizado no Brasil.
O sociólogo Ignacio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), critica o nome do projeto. Segundo ele, é uma estratégia que distorce o verdadeiro significado da operação que resultou em 121 mortes. Cano sugere que o nome mais apropriado seria "Consórcio da Morte", dada a quantidade de vidas perdidas durante as ações policiais.
Sete governadores fazem parte do “Consórcio da Paz”, incluindo Castro, Tarcísio de Freitas (Republicanos) de São Paulo, Romeu Zema (Novo) de Minas Gerais, Jorginho Mello (PL) de Santa Catarina, Eduardo Riedel (Progressistas) do Mato Grosso do Sul, Ronaldo Caiado (União Brasil) de Goiás, e Ibaneis Rocha (MDB) do Distrito Federal.
“Narcoterrorismo”
Especialistas em segurança pública analisaram o uso de termos como “narcoterrorismo” nos discursos das autoridades. Este termo foi usado por Castro, Tarcísio e Zema para descrever facções criminosas, especialmente aquelas com forte presença no Rio de Janeiro e São Paulo.
Jacqueline Muniz, antropóloga e cientista política da Universidade Federal Fluminense (UFF), critica o uso do termo, afirmando que ele serve para encobrir falhas e oportunismos políticos. Segundo ela, ao rotular algo como narcoterrorismo, se justifica a necessidade de mais poder e recursos sem prestar contas.
Ignacio Cano também discorda do uso do termo, afirmando que terrorismo é geralmente associado a objetivos políticos, enquanto o narcotráfico visa o lucro. No Brasil, a Lei n° 13.260, de 2016, define terrorismo como atos motivados por xenofobia, discriminação ou preconceito, com o objetivo de provocar terror social.
Facções de tráfico de drogas são classificadas como organizações criminosas pela legislação brasileira, e o governo federal, liderado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, mantém essa posição.
Um projeto de lei (PL 724/25) busca expandir o conceito de terrorismo para incluir o tráfico de drogas, mas ainda precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional.
Pressão internacional
Governos de direita na Argentina e Paraguai já classificaram organizações criminosas como terroristas, e os Estados Unidos sugeriram que o Brasil faça o mesmo. Especialistas alertam que adotar o termo "narcoterrorista" no Brasil poderia fragilizar a democracia e aumentar o risco de interferências externas.
Jonas Pacheco, coordenador de pesquisa da Rede de Observatórios da Segurança, destaca que o discurso de "narcoterrorismo" pode ser uma estratégia para justificar intervenções mais agressivas, alinhando-se a interesses externos.
Ignacio Cano observa que o uso do termo terrorismo por governos autoritários tem sido uma justificativa para ações extremas, como execuções sumárias, que não são permitidas por leis antiterroristas.
“Guerra às drogas”
O termo “guerra” também é amplamente utilizado por autoridades para descrever o combate ao tráfico de drogas. No entanto, especialistas alertam que essa linguagem pode legitimar ações violentas e desumanizar comunidades vulneráveis.
Jonas Pacheco questiona: “Quem é o inimigo nessa guerra? É o traficante na Faria Lima ou o jovem na favela?”
Para Pacheco, segurança pública deve focar na proteção da vida, e não na violência. Cano reforça que permitir ações policiais sem controle coloca toda a sociedade em risco.
Jacqueline Muniz conclui que a retórica de guerra serve mais para criar um espetáculo de repressão do que para resolver problemas reais de segurança.
Com informações da Agência Brasil