OPINIÃO

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A relação entre inglês e consumo

Por Raquel Silvano Almeida, professora do curso de Letras-Inglês Unespar, em Apucarana

| Edição de 17 de janeiro de 2016 | Atualizado em 25 de janeiro de 2022

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Certa vez, li em um livro que tratava das semelhanças e diferenças entre as línguas portuguesa e inglesa, o seguinte comentário pelo autor: “Do jeito como as coisas vão, dentro de alguns anos, uma adolescente brasileira, passando com sua mãe por uma loja muito antiga de um shopping center brasileiro, onde se lê, na vitrine, velhas palavras como ‘liquidação’ e ‘desconto’, irá lhe perguntar: Mãe, o que quer dizer ‘liquidação’? é sale, filha. Ah, sim. E o que quer dizer ‘desconto’? É off. Ah, sim. Por que o pessoal dessa loja não escreve direito na vitrine, em vez de ficar inventando palavras?”.

A presença em massa desses estrangeirismos (ou anglicismos) na linguagem dos anúncios e das mercadorias produzidas para consumo já é um tema em discussão no Brasil. Partindo da premissa de que a língua inglesa estaria sendo usada como um objeto de consumo desenfreado pela população brasileira, em 2001, Aldo Rebelo, como deputado federal, encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei em defesa do uso da língua portuguesa nos anúncios em estabelecimentos comerciais. O projeto advogava que a globalização tem levado os brasileiros a conviver com a “invasão indiscriminada e desnecessária de estrangeirismos” na produção, no consumo e na publicidade de bens, produtos e serviços [...], por influência do inglês norte-americano em nosso país e, claro, das tecnologias digitais de informação e comunicação.

O mesmo assunto esteve em pauta na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, em março de 2009, quando da votação para uma lei que determinava que os vocábulos da língua inglesa escritos nas vitrines de lojas paranaenses deveriam ser traduzidos para a língua portuguesa, a fim de que nós, consumidores, soubéssemos o que estamos comprando, além de valorizarmos nossa língua com o intuito de preservar nossa cultura e nossa identidade.

A relação existente entre o inglês e consumo, sobretudo, na atual sociedade globalizada, é certamente evidente. Diria mais, é encarada pela maioria de nós de forma natural. Tal como afirma a historiadora social, Júlia Falivene, “tornou-se tão normal viver nesse mundo de coisas estrangeiras”, que nem precisamos sair de casa para uma constatação. Basta olharmos as palavras, termos e frases estampadas nos produtos que consumimos habitualmente.

Vejo que as funcionalidades do inglês no mercado de consumo globalizado parecem ser infinitas. Nos discursos voltados para o consumidor, como os da publicidade, segundo o analista do discurso, Bhatia, a expectativa é de que, na era da globalização rápida e da super-branding, as mensagens publicitárias em todo o mundo estejam em conformidade com um padrão excessivamente homogêneo, em termos de uso da linguagem, da exibição do logotipo e do conteúdo da mensagem e, que o inglês seja, “naturalmente”, a língua escolhida pelos anunciantes globais.

Portanto, entendo que, do mesmo modo como as diretrizes educacionais problematizam o caráter instrumental e comercial do ensino da língua inglesa, que têm prevalecido nos últimos anos, quando buscam resgatar uma perspectiva de ensino desse idioma voltada à formação cultural e cidadã, devemos, como professores, pais e consumidores, refletir sobre o que realmente consumimos: o produto ou o seu anúncio (sua linguagem)?