Quem pensa que bandas e fanfarras é um bem bolado de instrumentos de percussão, como bumbos, surdos e repiques com metais, como cornetas e cornetões, está fora de ritmo e compasso. Embora tenham em setembro a alta temporada, com os desfiles em alusão à Independência, esses grupos vão muito além de marcialidades, e funcionam como verdadeiros projetos sociais de inclusão e resgate de pessoas.
Quando se assiste a uma fanfarra se apresentando, mais do que linhas de frente, conjunto de balizas e músicos o que se tem ali é um desfile de histórias de paixão, entrega voluntária, musicalidade, inclusão social, resgate de vidas, pertencimento.
O Vale do Ivaí tem fanfarras já famosas em diversas cidades, como Marilândia do Sul, Faxinal, Ivaiporã, Jandaia do Sul e Apucarana e, em muitas cidades, o trabalho vem sendo reiniciado, como em Lunardelli e Borrazópolis, entre outras.
A fanfarra virou família, como explica Silvia Aparecida Vilarinho, servidora pública que há mais de 10 anos é a instrutora da Fanfarra Municipal de Marilândia do Sul (Famas), uma das mais prestigiadas da região, que vai se apresentar em pelo menos cinco cidades, ao longo desta semana. É tão família que as pessoas já ligam para a instrutora quando algum componente do grupo vai mal na escola ou é ela que os jovens procuram se aconselhar quando vai rolar algum pedido de namoro.
Desde 2010 na fanfarra, Silvia calcula que mais de 400 pessoas já tenham passado pelo trabalho. Além de ter formado músicos e espalhado um legado, muita gente foi reencaminhada na vida a partir da fanfarra. Ela lembra que já recebeu jovens que praticavam auto-mutilação e que enveredavam no mundo das drogas e que se transformaram. “Esse é um projeto de inserção social. A gente usa a música para resgatar e para encaminhar as pessoas”, afirma. Silvia trabalha ou já trabalhou com crianças encaminhadas pelo Conselho Tutelar, pela assistência social, bem como com pessoas com deficiência, inclusive alunos da Apae. Cabe todo mundo nessa família, como ela mesma diz. “A gente trabalha música, música marcial, ritmo, ordem unida, disciplina, elegância, coisas que usamos pra vida”, resume.
Atualmente, a Famas tem 45 pessoas na fanfarra. O mais novo, tem 9 anos apenas. O mais velho componente, 35 anos.
MAUÁ
Município vizinho de Marilândia, Mauá da Serra também tem gosto por fanfarra. A Fanfarra Municipal Sinfonia da Serra já conta com mais de 10 anos. O instrutor da fanfarra, o radialista Danilo de Souza Rosa comenta que o verdadeiro show desse tipo de trabalho é o voluntariado dos envolvidos. “É um trabalho motivado na paixão, no amor pela música, pelo cuidado com os detalhes, com as pessoas”, afirma.
A fanfarra de Mauá da Serra conta atualmente com 32 componentes, entre 12 e 30 anos. Em dois anos de inatividade, por conta da pandemia, a fanfarra perdeu vários componentes e as tradicionais mudanças de quadros foi um pouco mais acentuada. “É um trabalho apaixonante. Junta gente apaixonada e por isso mesmo, tantos voluntários”, conta o instrutor. Para ele, além da evolução da própria fanfarra nos desfiles, um dos prazeres é perceber a evolução das próprias pessoas que participam desses projetos. “Ficamos sempre melhores”, conclui.
Faxinal tem a agremiação mais antiga
Outros destaques regionais são a Banda e Fanfarra Municipal Carlos Gomes, de Faxinal. A Banda foi fundada em 1999 e desde então tem com maestro João Correa de Souza. Ele respira essa banda, projeto a que se dedica “de corpo e alma” há 22 anos.
Bi campeã estadual, a Banda já se desdobrou também em fanfarra, desde 2017. Entre Banda e Fanfarra, o grupo conta com aproximadamente 120 pessoas, de todas as idades, mas a maioria, adolescentes e jovens adultos.
O maestro explica que, de fato, as fanfarras vão sempre além das questões de musicalidade e ordem unida. “A gente trabalha muita coisa, que vai da disciplina aos ritmos, mas também se trabalha respeito, espírito coletivo, cidadania. Enfim, o que de fato acontece aqui é o desenvolvimento humano, o culto ao civismo e às pessoas”, arremata.
Lunardelli retoma fanfarra com participação de crianças
Enquanto alguns municípios têm tradição, outros começam a reconstruir a sua. Caso de Lunardelli, que há anos sonhava com o resgate de sua fanfarra municipal que está sendo recriada com crianças de 7 a 14 anos atendidas no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, da Assistência Social. São aproximadamente 80 crianças, nessa primeira etapa do projeto.
O prefeito Reinaldo Grola explica que o projeto seria retomado em 2019, a partir da doação de 5 mil dólares, de uma pessoa da Suíça, que foram usados na aquisição de instrumentos. “Mas tivemos dificuldades, de início, para arrumar um instrutor. E em seguida, veio a pandemia e a vida mudou radicalmente”, relembra. Os instrumentos acabaram guardados no depósito da prefeitura e o sonho adiado por dois anos.
Um instrutor, de Sorocaba (SP), Marcelo Hessel, que tem parentes em Lunardelli, mudou para a cidade e, há cerca de três meses, trabalha na estruturação da fanfarra municipal, cuja estreia pública vai ser em 7 de setembro. Instrutor há 37 anos, com último trabalho no Tiro de Guerra, Hessel afirma que em dois meses de ensaios, as crianças já mostram muita evolução, considerando que não tinha qualquer experiência musical anterior. “Iremos desfilar com aproximadamente 40 integrantes na fanfarra e mais integrantes do corpo coreógrafo, totalizando 60 pessoas”, explica o maestro, ansioso pela estreia.
“Resgatar nossa fanfarra era muito importante para a sociedade. Em nossos desfiles cívicos, nos últimos anos, sempre precisávamos contar com fanfarras de outras cidades. Agora, temos a nossa”, diz o prefeito.
Nesse ano, a prefeitura adquiriu mais alguns instrumentos para a fanfarra e investiu cerca de R$ 17 mil para a compra dos uniformes e vai ampliar o projeto para receber crianças da rede municipal escolar.