Rubens conta que saiu de casa aos nove anos. Hoje, tem 57. Durante estes 48 anos morando na rua, viu de tudo: amigos morrendo, as drogas ganharem o protagonismo que antes era do álcool, violência, fome, frio. Ele é uma das 60 pessoas que não têm residência fixa em Apucarana, segundo cadastro da Secretaria de Assistência Social do município. Como muitos, tem família à qual ele não consegue se adaptar.

Rubão, como prefere ser chamado, não quis fornecer o nome completo à reportagem. “Minha mãe mora na cidade. Meu sobrenome é conhecido por algumas pessoas”, justifica. Segundo ele, a fuga de casa aconteceu depois de uma briga. “Meu pai era muito rígido. Uma vez, tirei nota baixa na escola e ele me bateu. No dia seguinte, fui embora”, conta.
O pai já faleceu há alguns anos. Já a mãe, ele visita de vez em quando. “Depois de tanto tempo, não dá mais para voltar. Mais importante que ter uma casa, queria ter oportunidade. O pior de morar na rua é a humilhação, os olhares de quem te vê na rua”, diz.
A secretária de Assistência Social de Apucarana, Ana Paula Nazarko, afirma que a maior parte da população de rua é do próprio município. “Muitos são da cidade e ainda têm famílias aqui. São pessoas que, em sua maioria, se envolvem com algum vício e não se adaptam a um ambiente com regras. Por isso, muitos não aceitam nem ficar no abrigo municipal da prefeitura. A rua, na verdade, acaba virando um refúgio”, conta.
Na rua, segundo ela, o consumo de álcool e drogas acaba se intensificando. “O apucaranense precisa mudar um conceito, que é de acreditar que, ao dar comida ou dinheiro a moradores de rua, está ajudando. Na verdade, estas ações só incentivam a população de rua, que vem crescendo nos últimos anos, a ficar na rua”, diz.
Ela lembra que o município conta com estruturas de suporte para quem não tem onde morar. Uma delas é o Centro Pop, que realizou 800 atendimentos só em julho deste ano. Lá, as pessoas são atendidas por uma equipe multidisciplinar e encaminhadas a órgãos de Saúde, Educação, Emprego e outros que forem necessários. Há ainda uma casa de passagem, onde é oferecido banho quente, roupas, calçados, corte de cabelo e barba, além de pernoite.
“A população precisa refletir que a verdadeira ajuda seria encaminhar o morador de rua para estas instituições. Quando alguém próximo da gente está doente, o que fazemos? Sugerimos ir à UPA. Por que, quando as pessoas encontram um morador de rua, também não orientam a procurar o órgão responsável? Temos vagas disponíveis”, aponta Nazarko.
Diretora de proteção especial da secretaria, Priscila da Silva Luzia diz que um dos trabalhos realizados junto à população de rua é a busca pela reintegração com as famílias. “Por mais difícil que seja, sempre buscamos essa reintegração. Sabemos que, para cada pessoa na rua, há uma família em sofrimento. No entanto, são poucos os que aceitam retornar, a maioria por se adaptar à vida mais livre nas ruas”.
Terreno vazio é ponto de encontro
Roberto Estevam Ladim tem 35 anos e mora nas ruas de Apucarana há 20. Ele se estabeleceu em uma terreno vazio onde funcionava o pátio de uma concessionária na Avenida Paraná. Com uma hérnia abdominal, ele se movimenta pouco, mas é tratado com respeito pelos outros moradores de rua. “Fui o primeiro a chegar aqui neste lugar, por isso todo mundo me conhece. Morar na rua não é fácil. Às vezes vou no Centro Pop, mas não dá para ficar lá. A equipe é muito boa, mas não gosto do lugar”, diz.
O espaço virou a ‘moradia’ de outras duas pessoas. Mas, dependendo do horário, até 15 moradores de rua podem ser vistos por ali. Um deles é Vinícius Matias Meireles, de 32 anos. Nascido em São Paulo, ele morou até os 13 anos com os pais, em Rolândia. Após o envolvimento com drogas, fugiu de casa, chegando a Apucarana no ano seguinte.
“Aos 17 anos, voltei a estudar. Na escola, fui muito inspirado por uma professora, que me ajudou muito. Acabamos nos apaixonando e nos casamos. Eu saí da rua, consegui trabalho, fiz curso para eletricista, socorrista. Fiquei longe das drogas durante 15 anos. Eu consegui vencer”, relata ele.
Há dois anos, Vinícius resolveu visitar o pai, que não via há mais de 20 anos, em Belo Horizonte. Durante a viagem, recebeu a notícia que a esposa tinha falecido. “Não consegui me segurar e voltei com as drogas. Abandonei tudo e acabei voltando para a rua. A droga é o que leva a gente para a rua. Todo mundo aqui usa. Eu já larguei uma vez e, por isso, sei que meu fim não vai ser assim. Vou vencer de novo, só não sei quando”.
Projeto social busca levar dignidade para quem não tem moradia
Além da Secretaria da Assistência Social, organizações não-governamentais (ONG) da cidade buscam fazer um trabalho junto à população de rua. Uma delas é a ‘No Name’, que iniciou há sete anos o projeto ‘Amor Que Alimenta’. “Saímos às sextas-feiras para entregar comida, roupa, cobertores e calçados. Entregamos algumas vezes material de higiene”, explica a coordenadora do projeto, Roseane Aparecida Claudino.
“Os moradores de rua são pessoas que têm problemas com álcool ou drogas e, por isso, acabaram se afastando dos familiares, indo para a rua. Na rua, eles encontram outas pessoas na mesma situação que elas, fazendo com que elas fiquem na rua”, afirma ela.
Segundo ela, os moradores encontrados nas ruas são geralmente os mesmos. “Eles se estabeleceram na cidade. Raramente encontramos novas pessoas. Geralmente nosso contato é tão frequente que chamamos pelo nome e até sabemos distinguir o dia em que ocorreu o uso de álcool ou droga. Nosso objetivo é também enxergar essas pessoas como seres humanos. Isso faz muita diferença para eles”, relata.