Desde a promulgação do atual Código Civil de 2002, o ordenamento jurídico pátrio passou a admitir, expressamente, a alteração do regime de bens após a celebração do casamento, mediante pedido conjunto dos cônjuges, justificativa adequada, homologação judicial e respeito aos direitos de terceiros.
Durante longo período, entretanto, prevaleceu jurisprudência no sentido de que essa modificação produzia apenas efeitos futuros — ou seja, a nova configuração patrimonial valeria a partir do trânsito em julgado da decisão judicial (efeito “ex nunc”).
Porém, no julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.671.422/SP, o STJ modificou esse entendimento, passando a decidir que a alteração de regime de bens pode — a depender do caso concreto — produzir efeitos retroativos à data do casamento (efeito “ex tunc”).
No caso examinado, o casal, que havia casado sob o regime de separação total de bens, pleiteou a mudança para comunhão universal, alegando que sua relação já estava consolidada e que o patrimônio fora construído em conjunto. Apesar de deferida nas instâncias inferiores, a modificação foi originalmente homologada apenas com eficácia ex nunc. Ao acolher o recurso, o STJ acolheu o argumento de que a escolha livre e conjunta dos cônjuges, em reconhecimento à autonomia da vontade, impunha a possibilidade de retroagir todos os efeitos do novo regime à data do matrimônio.
Segundo o relator, a retroatividade não só respeita a vontade expressa do casal como, em casos como aquele, beneficia terceiros — por exemplo credores —, pois amplia o patrimônio disponível para eventual satisfação de obrigações.
Importante destacar, contudo, que essa retroação não será admitida em qualquer alteração de regime. A jurisprudência e a doutrina coincidem que a eficácia “ex tunc” dependerá: (i) da concordância expressa e motivada dos dois cônjuges; (ii) da ausência de prejuízo a terceiros de boa-fé; (iii) da natureza do novo regime — especialmente quando se trata de uma transição de regime mais restritivo para um mais abrangente (como da separação total para a comunhão universal).
Do ponto de vista prático, a adoção desse entendimento pelo STJ representa um avanço expressivo na autonomia patrimonial do casal. Permite que decisões conjuntas, tomadas de forma consciente e planejada, possam valer desde o início da vida matrimonial — possibilitando que o patrimônio construído conjuntamente seja classificado sob o novo regime como se sempre houvesse sido adotado. Isso confere maior segurança jurídica às partes e pode evitar disputas futuras em caso de dissolução da sociedade conjugal.
Todavia, cumpre observar que, mesmo com esse precedente, a alteração do regime de bens continua exigindo rigores formais: requer pedido conjunto, motivação, homologação judicial e posterior averbação no Cartório de Registro Civil — além, quando houver imóveis, de atualização no Cartório de Registro de Imóveis.
Em face dessas nuances e particularidades, é essencial que o casal interessado em modificar seu regime de bens busque orientação jurídica especializada, avaliando cuidadosamente se a retroatividade é recomendável e defensável no caso concreto.
Diante dessas possibilidades e das consequências patrimoniais que envolvem a escolha e a eventual alteração do regime de bens, é fundamental que o casal esteja bem orientado juridicamente antes de qualquer decisão. Cada caso possui particularidades que exigem análise técnica individualizada. A informação correta, no momento certo, é a melhor forma de prevenir conflitos e proteger o patrimônio construído ao longo da vida.