Não caro leitor e leitora, eu não vou fazer uma reclamação pública da falta de interesse da minha filha por xadrez. Eu adoro xadrez, mas não sou lá essas coisas, apesar de ter mentido no ensino médio, quando fui com mais um amigo a um campeonato municipal (lá em Londrina) e, sem acompanhamento de nenhum professor, dissemos ter ficado em quarto e quinto lugar. Na verdade, ficamos depois do décimo lugar – não me lembro ao certo, pois a mentira foi tão repetida que virou quase verdade.
Essa “mentirinha” foi um plano de vingança e queria dizer que não foi minha ideia, mas sabe como é, sempre fui um pouco malandro. No colégio em que estudávamos não havia um grupo de xadrez ou aulas regulares, em compensação havia um super time de futebol. Ao lado do PSTC – um time de base de grandes nomes do esporte – nosso time era sempre campeão, com jogadores vindos de todos os lugares, alojados no clube e estudando em nossa escola. Como Deus me fez com duas pernas esquerdas, nunca tive tino para tal esporte e, apesar do esforço, nunca me revelei em nenhum outro. Joguei basquete, vôlei, futebol, karatê, taekwondo, capoeira e handebol, sendo que neste último cheguei a jogar na base do time da Unifil, mas sem muito sucesso. Revoltados pela nossa invisibilidade, eu e meu amigo Carlos montamos nossa dupla, treinamos, nos inscrevemos, ganhamos alguns jogos e perdemos os decisivos. Como ninguém foi acompanhar, escolhemos nossa posição, divulgamos no colégio, fomos homenageados e ganhamos até um livro de professor, quando passamos a dar aulas de xadrez aos mais novos.
Essa foi a minha primeira experiência em sala de aula, com apenas 15 anos. Se aprendi alguma coisa com isso tudo, foi que é necessário apoio e modelos para se chegar mais longe. Depois de nós muitos alunos chegaram a finais do campeonato e de verdade dessa vez. Fingir que eu sabia, me fez estudar para saber de verdade, ensinar me fez me apaixonar pelo jogo. Como disse, não sou muito bom, mas gosto do que ele me faz sentir.
Minha filha tem aulas de xadrez toda semana, faz parte da grade de obrigatórias. Ela já quis desistir muitas vezes, mas não pode. Não pode porque o colégio obriga, mas também porque ela não pode desistir daquilo que não tem habilidade. Eu brinco com ela que não quero que receba a tal “honra ao mérito”, que homenageia os alunos com as melhores notas. Depois que identificamos algumas de suas dificuldades, aprendemos a lidar com a ansiedade e falta de atenção dela, o que fez com que tenha ótimas notas em todas as áreas – o que a fez ganhar o papelzinho. A única “exigência” que fiz foi a de ganhar a medalha de leitura, pois essa sim incentivamos com certa áurea de determinação. E, sem surpresa nenhuma, foi a que mais leu livros em sua turma, um total de 4 por semana, tendo que explicar para a bibliotecária cada história quando trocava os mesmos.
Quero que ela leia bastante, para que possa interpretar e pensar criticamente, mas também para que tenha a imaginação frutífera – e olha que ela inventa muitos planos e histórias que me encantam. Eu só gosto de xadrez porque é a história de uma guerra, onde cada movimento é a ação de uma guerra, quem sabe ela não possa ler da mesma forma o jogo? Minha filha não gosta de xadrez, mas é tão boa em tanta coisa que não consigo ficar chateado. Preciso olhar para o que ela é boa, não o que “falta”. Quem sabe ela não crie o seu próprio jogo, nem que seja de mentirinha, mas eu estarei lá para ver de verdade.