GUILHERME BOMBA

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As mortes que eu vi

Da Redação

| Edição de 26 de junho de 2025 | Atualizado em 26 de junho de 2025

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Vi muita gente morrer ao longo da vida. O desespero de ver alguém morrer às vezes é silencioso demais para não causar estardalhaço, o que não significa que não seja dolorido. Ainda que muitos possa fazer o trocadilho do “luto” da morte com o “luto” para sobreviver, o luto é só luto, seja ele qual for. Eu vi mortes demais para alguém velho demais para ser jovem e jovem demais para ser velho.

Vi um menino morrer aos sete, num dia comum, quando caiu da bicicleta e ninguém mais acreditou que ele voltaria a voar. Cortaram suas asas e ele morreu lentamente naquele asfalto quente de um domingo. Não era só os seus joelhos que sangravam, mas ninguém percebeu.

Vi outro morrer na adolescência, sufocado por um amor que não se dizia em voz alta — e que o engoliu em silêncio. Ele escreveu cartas demais para sobreviver ao término do que nem começou. Dizem que os jovens são o futuro e que são capazes de tudo, mas em um sábado qualquer caminhando na chuva ele morreu.

Vi um jovem adulto morrer na saída da faculdade, quando entendeu que diploma nenhum ensinaria a viver. Eram tantos sonhos e esperança que começaram a despedaçar quando o diploma mal chegara em suas mãos. O mundo era um lugar cruel demais para quem sonha em meio aos despertos e espertos.

Vi um homem ruir por dentro no fim de um casamento, apesar do sorriso nos retratos e das promessas penduradas no cabide. A morte lenta desse me marcou mais do que todas as outras, pois o último suspiro demorava a chegar, como quem quisesse sobreviver, mas o abandono acompanhado era tão cortante quanto a famosa faca Ginsu 2000 da propaganda que ele assistia com ela.

Vi a morte num hospital, não da pessoa doente, mas de quem assistia — impotente — o tempo passar sem piedade. A doença que mata de inanição o sentimento corrói de dentro para fora, como um câncer que não aparece em qualquer exame e, quando se vê, é tarde demais para qualquer tratamento.

Vi um pai morrer ao descobrir que seu filho precisava do mundo ser mais gentil, e ele ainda não sabia como fazê-lo. Ele não desistiu, nem parou, mas aos poucos morria ao temer o que mundo reservava para os que ele tanto amava e queria proteger, mesmo sabendo da finitude da própria existência.

Vi um professor morrer ao repetir a mesma explicação pela centésima vez e perceber que nem todos aprenderiam, mesmo assim. Ser cobrado pelos números que não controla, pela educação que não é a sua e toda sorte de cobrança que o fazia amar cada dia menos o que antes era sua vida... Em uma segunda-feira, ele não mais levantou.

Vi morrerem versões de alguém: a criança que acreditava no Natal, o adolescente que queria mudar o mundo, o adulto que jurava que daria tempo de tudo.

Foram muitas as mortes que presenciei. Algumas com choro. Outras com silêncio. Nenhuma com aviso.

E só agora, enquanto escrevo, percebo:

todas essas mortes que vi...

eram minhas.