GUILHERME BOMBA

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Ela não cabia mais – nem deveria

Da Redação

| Edição de 25 de abril de 2025 | Atualizado em 25 de abril de 2025

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Ela era inteira. Não perfeita, não invencível — apenas inteira. Tinha medos, mas também fé. Tinha sonhos grandes demais para os olhos pequenos de quem a cercava. E ria de coisas bobas, como quem sabia que a leveza é uma forma de resistência. Sim, talvez, quem sabe, ela era feliz.

Mas a vida — essa escola sem manual, sem regra definida, sem mapa ou gps — começou a tirar dela pequenas partes.

Na infância, disseram que ela era sensível demais. E ela engoliu o choro, engavetou a curiosidade, começou a falar mais baixo. Suas pernas que eram tão ágeis aprenderam a ficar assim, uma do ladinho da outra, fechadinhas, imóveis, simbólicas, cheias de graça e ternura, como toda mulher – que ela ainda não era – precisava ter.

Na adolescência, alguém riu do seu corpo, outro da sua voz. E cada crítica colada como adesivo foi arrancando identidade. Maldita sala de aula. Nenhum amigo ao seu lado. O pouco que tinha, desse quadro, apagou como uma vela no aniversário, sem desejo, sem pedido, sem esperança.

Na juventude, aprendeu a não incomodar. A ficar feliz com pouco, a aceitar o que vinha — mesmo que não fosse o que queria. Cedeu em nome do amor. Do emprego. Da paz. Cedeu tanto que, quando se deu conta, quase não havia mais espaço pra ela dentro de si.

Cada etapa da vida levou um pedaço: a ousadia, a coragem, a leveza, a opinião, o silêncio confortável, o direito de mudar de ideia. Tudo substituído por versões moldadas pelos outros. Ela era como um mapa apagado: traços de caminhos antigos, mas nenhum destino claro.

E então veio o momento em que ela olhou ao redor — e não cabia mais.

Não cabia no trabalho que a adoecia.

Não cabia na casa que virou prisão de rotina.

Não cabia nas conversas em que precisava se diminuir para não parecer demais.

Não cabia no lugar onde todos a viam pelo que ela havia perdido — nunca pelo que ela era.

Foi quando entendeu: não era ela que estava quebrada. Era o ambiente que não acolhia sua forma.

E decidiu partir.

Foi embora de tudo o que a mantinha pela metade: das relações que sufocavam, das obrigações que não faziam mais sentido, dos papéis que nunca foram seus. Foi embora sem fazer barulho. Não por medo, mas por maturidade.

No novo lugar — que não era só um lugar físico, mas um tempo, um ritmo, uma escolha — ela não era mais o que sobrou dos pedaços. Era outra.

Não se reconstruiu como antes. Se refez diferente. E o mais bonito: inteira.

Ali, ninguém pedia para que ela se encaixasse. Porque ali, tudo ao redor também parecia inteiro. E ser inteiro não é não ter falhas — é apenas saber que, mesmo com cicatrizes, há beleza em ser exatamente quem se é. Gente inteira não tem encaixe, tem companhia, não falta nem sobra, é sempre na medida.

Ela deixou de se perder quando deixou de tentar caber.

E finalmente, se encontrou.