Havia entre mãe e filha um fio tênue, quase invisível, que deveria conduzir palavras, mas carregava sobretudo silêncios. Não eram silêncios poéticos, desses que convidam à contemplação; eram silêncios ásperos, que arranham a garganta antes mesmo que qualquer frase tenha coragem de nascer.
A mãe tentava ajudar. Tentava de verdade. Mas carregava no peito a herança de nunca ter recebido carinho que não viesse embrulhado em dureza. Crescera ouvindo ordens que pareciam conselhos, críticas que pareciam advertências, e elogios que, quando surgiam, vinham tão tímidos que quase se apagavam no ar. Quando tentava orientar a filha, buscava repetir a intenção, mas sem nunca saber a forma. E assim, o gesto que pretendia ser colo ganhava o contorno torto de uma bronca. O que era para ser bonito, abria feridas. E o amor, que era imenso, tropeçava na gramática de quem nunca aprendeu a conjugar o afeto.
A filha - menina ainda, embora o corpo já anunciasse mulher - dizia estar acostumada a se virar sozinha. Dizia com a convicção de quem aprendeu cedo a erguer armaduras, mas revelava, nos olhos, uma pequena rachadura. Era ali, naquela fresta quase imperceptível, que morava a falta. Uma falta funda, silenciosa, que não pede licença: apenas cresce, se não for reconhecida.
Quando as duas conversavam, desencontravam-se sempre no mesmo ponto. A mãe oferecia o que sabia, a filha recebia o que doía. E ambas saíam da conversa com a sensação de ter falhado uma com a outra - embora o amor permanecesse, teimoso, tentando sobreviver ao ruído.
Havia tardes em que a mãe observava a filha de longe, com a estranha impressão de que aquilo tudo poderia ser tão mais leve, se alguém tivesse lhe ensinado a dizer o que realmente sente sem parecer uma tempestade. E havia noites em que a filha, já no escuro, imaginava como seria ter uma palavra macia à disposição, daquelas que encostam na alma como quem ajeita um cobertor. Mas nenhuma falava. Talvez por medo, talvez por hábito.
O mais curioso — e o mais humano — é que ambas carregavam o mesmo desejo: serem vistas, acolhidas, compreendidas. Queriam oferecer e receber afeto, mas faltava-lhes o idioma comum. Faltava-lhes a coragem de admitir que sabiam amar, mas não sabiam comunicar.
A falta não é falha moral, tampouco sentença. Ela é apenas o lembrete de que vínculos, quando negligenciados nas palavras, buscam sobreviver no improviso. Mas improviso também cansa.
E, se não assumida, a falta cresce.
Cresce até ocupar o espaço onde deveria morar a ternura.
Cresce até transformar o que poderia ter sido belo em algo triste, embora corrigível.
Porque, no fim, há uma verdade suave — dessas que chegam devagar, como quem acende uma luz sem assustar: toda relação pode aprender um novo idioma, desde que alguém, uma das duas, tenha coragem de dizer o primeiro gesto sem medo de errar a pronúncia.