A paralisação parcial do governo americano, o chamado shutdown, vai muito além de uma crise política. Ela revela um grave alerta fiscal para o mundo, mostrando como a fragilidade institucional pode paralisar até a maior economia do planeta. O impasse político interno, sem acordo sobre o orçamento, levou à suspensão de atividades públicas, ao fechamento de prédios federais e ao afastamento de milhões de servidores, enquanto serviços essenciais e programas obrigatórios seguiram funcionando.
No Brasil, embora não exista um mecanismo formal de paralisação, o problema assume uma forma silenciosa. Quando a arrecadação cai ou o orçamento se desequilibra, União, estados e municípios recorrem ao contingenciamento, preservando apenas as despesas obrigatórias e o pagamento da dívida. O resultado é conhecido: investimentos paralisados, convênios atrasados e um crescente acúmulo de restos a pagar. É o que se pode chamar de um “apagão à brasileira”, menos visível, mas igualmente preocupante.
As semelhanças entre os dois países são reveladoras. Nos Estados Unidos, o impasse nasce da disputa política entre o Congresso e o Executivo. No Brasil, a tensão fiscal decorre da rigidez orçamentária e do peso crescente das despesas obrigatórias. Enquanto nos EUA republicanos e democratas divergem sobre programas sociais e prioridades de gasto, por aqui o embate se dá entre a necessidade de financiar a previdência, pagar a dívida pública, os altos salários do funcionalismo e manter investimentos mínimos em infraestrutura, saúde e educação. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: compressão do investimento público, instabilidade política e aumento da desconfiança dos agentes econômicos.
A crise americana também evidencia um risco que o Brasil conhece bem: o crowding-out, quando o setor público absorve grande parte da poupança nacional por meio de dívidas caras, encarecendo o crédito e limitando o investimento privado. Essa dinâmica tem sido constante no país, com a dívida pública girando em torno de 65% do PIB e o déficit primário se mantendo persistente.
As consequências são previsíveis. O espaço para investimentos diminui, o custo de financiamento aumenta, o crescimento econômico se torna modesto e os serviços públicos se deterioram. Quando estados e municípios também perdem fôlego, a crise se espalha e a população sente os efeitos de forma direta: estradas que não são recuperadas, escolas com manutenção precária e hospitais sobrecarregados. O país precisa recuperar a disciplina fiscal e passar a repensar o pacto federativo, garantindo mais previsibilidade e autonomia financeira aos entes subnacionais. O contingenciamento precisa deixar de ser uma ferramenta automática de corte linear e se transformar em um instrumento de gestão inteligente, que preserve o essencial e incentive a eficiência.
A analogia entre o shutdown americano e o desequilíbrio fiscal brasileiro é esclarecedora. Ambos demonstram que a prosperidade de uma nação depende de planejamento responsável e de contas públicas equilibradas. O caso norte-americano escancara ao mundo o preço da paralisia política. O caso brasileiro revela um colapso contínuo, silencioso e disfarçado de normalidade. Enquanto os Estados Unidos ligam e desligam o governo como quem acende uma lâmpada, o Brasil vive um apagão permanente, fruto de improvisos, rigidez orçamentária e ausência de reformas estruturais. Se União, estados e municípios não reconstruírem seu equilíbrio fiscal e sua capacidade de investimento, o país continuará vulnerável diante de qualquer pequeno abalo da economia global.