Entre 2017 e 2023, a renda do seleto grupo de 0,1% mais rico do Brasil cresceu a um ritmo cinco vezes superior ao da média dos brasileiros. Composto por 160 mil pessoas, esse segmento viu sua renda real aumentar 6,9% em seis anos, enquanto a média nacional cresceu apenas 1,4%.
Essa disparidade fez com que o 0,1% mais rico ampliasse sua fatia da renda nacional de 9,1% em 2017 para 12,5% em 2023.
Os dados são de um estudo do FiscalData, grupo de pesquisadores que analisa dados sobre orçamento público e questões tributárias, incluindo declarações de imposto de renda.
O levantamento, assinado pelos economistas Frederico Nascimento Dutra, Priscila Kaiser Monteiro e Sérgio Gobetti, utilizou informações do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) divulgadas pela Receita Federal.
R$ 516 mil por mês
O estudo classifica o grupo do 0,1% mais rico como aqueles com renda mensal a partir de R$ 146,1 mil, sendo que a média mensal é de R$ 516 mil. Além disso, o 0,01% mais rico, composto por 16 mil pessoas, detinha 4,3% da renda nacional em 2017, percentual que subiu para 6,2% em 2023, com uma renda média de R$ 2,57 milhões mensais.
O grupo mais amplo, o 1% mais rico, composto por 1,6 milhão de pessoas com rendimentos a partir de R$ 34,7 mil mensais, também viu sua participação na renda nacional aumentar de 20,4% para 24,3% entre 2017 e 2023, com uma renda média de R$ 103,8 mil por mês.
Enquanto a renda do 1% mais rico cresceu 4,4% ao ano, a economia brasileira expandiu 1,8% ao ano, e a renda das famílias brasileiras, 1,4% ao ano. Todas as variações são reais, descontada a inflação do período (49,7%).
Os pesquisadores concluem que o Brasil se tornou mais desigual entre 2017 e 2023.
População adulta total | 1% mais rico | 0,1% mais rico | 0,01% mais rico | |
Número de pessoas | 160,1 milhões | 1,6 milhão | 160 mil | 16 mil |
Renda média mensal | R$ 3,4 mil a R$ 3,9 mil | R$ 103,8 mil | R$ 516 mil | R$ 2,57 milhões |
Fatia da renda nacional em 2017 | 100% | 24,3% | 12,5% | 6,2% |
Aumento da renda entre 2013 e 2017 | 1,4% | 4,4% | 6,9% | 7,9% |
Distribuição de lucros
O enriquecimento desse grupo foi impulsionado pelo recebimento de dividendos e juros sobre capital próprio (JCP), formas de distribuição de lucros pelas empresas. No grupo 1% mais rico, 87,1% do ganho de participação veio desses rendimentos, enquanto no 0,1% mais rico, 66%.
Os economistas destacam que essa concentração ocorreu em um período de baixo crescimento econômico no Brasil.
“Uma hipótese é que a alta inflação doméstica, somada ao aumento dos preços internacionais de algumas commodities, tenha impulsionado os lucros dos grandes empresários e exportadores, mesmo com um crescimento modesto da produção e da massa salarial”, escrevem.
Dados do Imposto de Renda
O estudo do FiscalData contrasta com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que em 2023 apontaram a menor diferença entre os maiores e menores rendimentos desde 2012. A diferença se deve ao fato de o IBGE usar dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), baseada na autodeclaração dos entrevistados.
“As pesquisas domiciliares tendem a subestimar a renda, especialmente no topo da distribuição, seja por omissão ou desconhecimento dos entrevistados quanto à magnitude de seus ganhos”, explicam os pesquisadores.
“É comum que as pessoas saibam o valor exato do salário, mas não computem mentalmente, com precisão, rendimentos extras de aplicações financeiras, dividendos ou ganhos de capital”, exemplificam.
O estudo indica que o rendimento médio do 0,01% mais rico é superior a R$ 2,5 milhões, enquanto a Pnad estima pouco mais de R$ 200 mil.
Os economistas alertam que qualquer análise sobre desigualdade de renda baseada apenas nos dados da Pnad pode resultar em erros de diagnóstico. Eles defendem a combinação dos dados da Pnad e do IRPF para uma medição mais precisa da desigualdade de renda no Brasil.
Política tributária
Na conclusão, Dutra, Monteiro e Gobetti reconhecem que políticas de transferência de renda, como programas assistenciais, têm um papel importante na redução da pobreza e desigualdade na base da pirâmide social. No entanto, consideram essas políticas insuficientes para enfrentar os problemas atuais de concentração de renda.
Os economistas defendem uma política tributária mais ativa, revisando isenções, como a não taxação de dividendos.
“Uma reforma da tributação da renda pode ser positiva, não apenas do ponto de vista distributivo, mas também da eficiência econômica, já que muitas brechas e distorções que beneficiam o topo da pirâmide social brasileira também prejudicam a competitividade e o desenvolvimento econômico”, conclui o artigo.
Reforma tributária
O estudo é publicado em um momento em que a reforma sobre tributação da renda é uma das prioridades do Congresso Nacional. A Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei (PL) 1.087/2025, que propõe isenção do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) para quem ganha até R$ 5 mil mensais e redução parcial para rendimentos até R$ 7 mil.
Para compensar a perda de arrecadação, o PL prevê uma alíquota extra progressiva de até 10% para rendas acima de R$ 600 mil anuais. A alíquota máxima de 10% será aplicada a rendas superiores a R$ 1,2 milhão anuais.
Gobetti, economista do Ipea, argumenta que taxar dividendos não levaria as empresas a repassar o encargo aos preços dos consumidores.
“O repasse para preços pode ocorrer se estivéssemos falando de tributar o lucro das empresas, mas a discussão é sobre tributar os dividendos distribuídos aos sócios”, afirmou à Agência Brasil.
Para pequenas empresas, onde o dono retira sua renda dos lucros, Gobetti observa que “essas empresas já têm uma tributação menor que as grandes e já reajustaram bastante os preços nos últimos anos, o que está por trás do aumento dos lucros no Brasil”.
Ele acrescenta que não há "muito espaço e justificativa" para que pequenas empresas reajustem preços, "ainda mais que isso poderia reduzir seus consumidores em relação às maiores empresas".
Com informações da Agência Brasil