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Encontro de Jongueiros transforma Praça Tiradentes em quilombo no Rio

(via Agência Brasil)

| Edição de 14 de agosto de 2025 | Atualizado em 14 de agosto de 2025

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A Praça Tiradentes, localizada no coração do Rio de Janeiro, será palco de uma transformação cultural a partir desta quinta-feira (14), quando se tornará um verdadeiro quilombo até sábado (16). Este evento faz parte do Encontro de Jongueiros, que integra a Semana do Patrimônio Histórico Nacional. Cerca de 400 praticantes de jongo, vindos de 18 comunidades de São Paulo e Rio de Janeiro, se reunirão para celebrar essa manifestação cultural afro-brasileira. A programação inclui rodas de jongo, shows de samba, oficinas com mestres, uma exposição fotográfica na praça e um seminário no Teatro Carlos Gomes.

O evento marca os 20 anos do reconhecimento do jongo como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, uma honraria concedida em 2005 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Esta celebração faz parte de um calendário de festividades e projetos comemorativos organizados por lideranças das comunidades jongueiras.

Imagem ilustrativa da imagem Encontro de Jongueiros transforma Praça Tiradentes em quilombo no Rio
Jongo: dança é expressão cultural afro-brasileira característica da Região Sudeste do Brasil. Foto: Karen Eppinghaus/Divulgação

A ideia central do evento é discutir os resultados do plano de salvaguarda desse gênero musical coreográfico afro-brasileiro, que combina o ritmo dos tambores, dança de roda e versos conhecidos como pontos.

“Vai ser a grande comemoração dos 20 anos do tombamento do jongo. A Praça Tiradentes vai virar quilombo”, afirmou Marcos André Carvalho, pesquisador, músico e coordenador do encontro, em entrevista à Agência Brasil.

Oralidade

A preservação do jongo, uma expressão cultural afro-brasileira típica do Sudeste, deve-se em grande parte à transmissão oral dos saberes, que passa de geração em geração através da oralidade, gestualidade e dos instrumentos musicais. O jongo é também conhecido como congo ou caxambu, dependendo da região. No Espírito Santo, é chamado de congo; no Morro do Salgueiro, no Rio de Janeiro, e em Minas Gerais, é conhecido como caxambu.

O jongo tem suas raízes na África, trazido por pessoas escravizadas de origem Bantu, principalmente do Congo, Angola e Moçambique, para trabalhar nas plantações de café e cana-de-açúcar no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo. Após a abolição, muitos libertos migraram para o Rio de Janeiro, onde fundaram escolas de samba, enquanto outros permaneceram no Vale do Café, preservando a essência original do jongo. Lá, existem cinco comunidades centenárias nos municípios de Barra do Piraí, Piraí, Valença, Pinheiral e Vassouras.

“O jongo nasceu nas senzalas das cidades do Vale do Café e, com a abolição, desceu para a capital, onde foram fundadas as primeiras favelas do Rio, como Salgueiro, Mangueira, São Carlos, Providência e Serrinha”, completou Marcos André.

Segundo Marcos André, foi criado o Circuito Afro do Vale do Café, unindo as cinco comunidades centenárias para atrair o turismo étnico mundial e melhorar a vida dessas populações historicamente exploradas e excluídas.

Debates

O seminário de abertura, intitulado "Pesquisas, inventários e registros sobre o jongo e o Vale do Café", acontece hoje às 10h no Teatro Carlos Gomes. Participam Raquel Valença, da Velha Guarda do Império Serrano; as professoras Hebe Mattos e Martha Abreu, da Universidade Federal Fluminense (UFF); o Procurador da República Júlio José Araújo Júnior; Paulo Dias, do Instituto Cachuera de São Paulo; as professoras Eleonora Gabriel, da UFRJ, e Elaine Monteiro, da UFF; e o jongueiro Rodrigo Nunes, entre outros.

No mesmo dia, dois debates serão realizados. O primeiro, às 11h30, aborda "Mestras e Mestres - Avaliação dos 20 anos de registro do Jongo e prospecções sobre o futuro das comunidades", com mestres de várias regiões e o babalorixá Pai Dário do Morro da Serrinha.

Às 14h30, o tema será "Contribuição bantu para a formação da cultura do Rio e do Vale do Café", com a participação da professora Helena Theodoro, do babalawo Ivanir dos Santos, do professor Luiz Rufino e do pesquisador Marcos André.

Lançamento

A programação da tarde inclui o lançamento do Museu do Jongo, com a presença de Mestra Fatinha, uma das líderes do jongo de Pinheiral, que há mais de 40 anos milita pela preservação dessa cultura.

“O jongo do Pinheiral nunca parou ou ficou adormecido. Ele vem passando de geração em geração, e há 40 anos fazemos a coordenação do trabalho de preservação da dança, da autoestima do nosso povo preto, principalmente das nossas crianças. É a nossa bandeira de luta, porque, em uma roda de jongo, a gente trabalha várias coisas sempre em busca da liberdade, e continuamos mantendo a tradição genuína”, afirmou Mestra Fatinha, em entrevista à Agência Brasil.

O museu reunirá cerca de 5 mil fotos, áudios e vídeos inéditos, além de artigos sobre comunidades de jongo, fruto de uma pesquisa de 30 anos de Marcos André e lideranças locais. Todo o acervo será digitalizado e disponibilizado gratuitamente na internet.

O museu funcionará em um parque temático, cujo projeto executivo foi selecionado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, no Parque das Ruínas de Pinheiral.

“Tantos anos depois da abolição, essas comunidades ainda não têm seus museus, centros de visitação ou suas escolas de jongo. É sobre isso que a gente está falando e Pinheiral já deu o primeiro passo com a aprovação do projeto executivo pelo PAC na Fazenda São José dos Pinheiros”, observou.

Além do Museu, o espaço contará com a Escola do Jongo, um restaurante de comidas étnicas e um centro turístico de visitação. A inauguração está prevista para 2027.

A programação do primeiro dia inclui ainda a exibição do curta-metragem Jongo do Vale do Café, que narra as raízes do jongo e do local onde ele nasceu durante a escravidão. A direção é de Marcos André Carvalho. O dia se encerra às 17h, com uma roda de jongo.

Oficinas

Na sexta-feira (15), serão realizadas oficinas entre 10h e 18h, no Museu da República, no Catete, e na sede do Iphan RJ, no centro da cidade. A primeira, às 10h, ensinará a fazer um tambú, que é a arte de confeccionar o tambor de jongo.

Depois, às 11h30, será a vez de mostrar as igualdades e diferenças da dança do jongo e do caxambu. À tarde, a terceira oficina, às 14h, abordará os cantos e pontos, a forma musical dos jongueiros, e às 16h, a oficina 4 trará Toques do tambú e candongueiro.

No último dia, sábado (16), haverá mais um seminário no Teatro Carlos Gomes. A primeira mesa, às 10h30, discutirá Políticas de Salvaguarda para o Jongo - Poder Público e parceiros. Ao meio-dia, haverá uma homenagem às mestras e mestres de jongo e caxambu. Às 12h30, será lançado e estreado o curta-metragem Mestres do Patrimônio Imaterial do Estado do Rio, dirigido por Marcos André Carvalho.

“Tem mestres da ciranda caiçara da Costa Verde, do candomblé, do afoxé, do jongo e da umbanda. São mestres dessas tradições com seus depoimentos.”

Após a exibição, começa o cortejo, às 13h e às 14h, com a abertura da exposição fotográfica na Praça Tiradentes, no mesmo local das rodas de jongo das comunidades, a partir das 15h. O público poderá se divertir com o grupo Samba de Caboclo e participações especiais. O encerramento está previsto para às 22h.

“É um momento histórico, realmente. Nunca 400 quilombolas de 18 quilombos ocuparam uma praça no centro do Rio. Vai ter fogueira, vão construir um altar com pretos velhos, as árvores da praça vão ser iluminadas”, revelou.



Com informações da Agência Brasil