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Januário Garcia terá acervo preservado por IMS e Unicamp

Alana Gandra - Repórter da Agência Brasil (via Agência Brasil)

| Edição de 16 de novembro de 2023 | Atualizado em 17 de novembro de 2023

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O acervo do fotógrafo e ativista negro Januário Garcia, que se vivo completaria nesta quinta-feira (16) 80 anos, será preservado e difundido por duas instituições: o Instituto Moreira Salles (IMS), responsável por armazenar a produção fotográfica do artista, e o Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que detém a salvaguarda dos documentos reunidos por Januário em sua atuação no movimento negro. As duas instituições farão um arranjo arquivístico único do acervo e, futuramente, as fotografias e os documentos digitalizados integrarão as duas bases de dados.

O coordenador de Fotografia do IMS, Sergio Burgi, disse à Agência Brasil que a ideia é avançar no processamento do arquivo para, no horizonte de dois anos, entre o final de 2025 e começo de 2026, ter um projeto de uma leitura ampla e profunda das diversas frentes que ele trabalhou, buscando apresentar o artista para o público. A exposição será construída a partir de visões de pessoas com as quais ele conviveu e trabalhou. Para o trabalho desse acervo, em parceria com a família de Garcia e o AEL, foi criado um conselho consultivo, que vai acompanhar todos os trabalhos, o que permitirá ampliar a leitura do ponto de vista expositivo. 

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Nascido em Belo Horizonte, Garcia faleceu no Rio de Janeiro, em 30 de junho de 2021. Formado em comunicação visual pela International Camaramen School, com estágio no Studio Gamma, sob orientação do fotógrafo George Racz, Januário Garcia tinha cursos de extensão de arte visual, história da arte e videomaker.

Ao longo de sua trajetória, produziu um dos mais importantes registros do ativismo e da cultura negra brasileira no século 20. Documentou marchas e atos organizados pelo movimento negro, além de personalidades centrais como Lélia González e Abdias do Nascimento. Foi também presidente do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN) e membro do Conselho Memorial Zumbi. Deixou um acervo de mais de 100 mil fotos.

Atuou ainda no mercado publicitário, no fotojornalismo e na indústria fonográfica, assinando capas de álbuns de músicos como Leci Brandão, Tom Jobim, Belchior e Raul Seixas.

O “fotógrafo, negro, brasileiro”, como ele se autodefinia, contou como sua paixão pela imagem começou em página na internet:

“A imagem sempre despertou em mim uma curiosidade que eu não sabia explicar a razão. Quando eu estava começando a aprender a ler, um exemplar da revista infantil Tico Tico caiu em minhas mãos com seus personagens Reco Reco, Bolão e Azeitona. Nesse número, na secção ligue-ligue da revista, ensinava a fazer um projetor de imagens com uma pequena caixa de madeira no tamanho 20x15x15. Havia um cinema no bairro que passava filmes às quartas, sábados e domingos; nos dias posteriores, de manhã bem cedo, eu ia esperar o lixo do cinema para pegar tiras de filmes que jogavam fora, para projetar à noite na minha casa, em uma parede pintada de branco. Dessa maneira, comecei a minha relação direta com a imagem; toda oportunidade que tinha, lia sobre fotografia e cinema. Nunca mais parei”.

Papel

Na avaliação de Sergio Burgi, a importância de Januário Garcia é “enorme” para a fotografia brasileira, porque além de ter uma trajetória, do ponto de vista profissional, muito significativa, teve uma atividade ligada a estúdio, à indústria fonográfica e, também, porque atuou no circuito publicitário de forma intensa, construindo projetos próprios.

“Mas, na verdade, toda a sua trajetória esteve ligada à sua militância dentro do movimento negro”.

Burgi destacou que a própria atividade profissional de Garcia tem a marca de engajamento e militância. “Não são universos separados. Quer dizer, a sua produção pessoal, autoral, seus trabalhos não só de documentação do movimento negro, mas de liderança, são todos vínculos que têm essa unidade de uma pessoa que desenvolveu essa trajetória na fotografia, mas incorporada às questões que ele se colocou como pessoa ligada aos movimentos negros e a construir uma memória do próprio movimento negro, uma memória negra”.

No momento, o IMS está efetuando o processamento do acervo. “Mas com clareza de que se trata de um acervo muito importante, não só no sentido de inclusão e diversidade, na medida em que são poucos os fotógrafos negros no Instituto e em outras instituições, mas muito pelo fato do perfil específico do Januário, na condição de fotógrafo relevante e, ao mesmo tempo, uma liderança do movimento negro”.

Mestre

Para Vilma Neres, fotógrafa e especialista em Januário Garcia, o “mestre” foi um dos precursores na construção da memória sobre os movimentos negros e as pessoas negras, retratando a humanidade das pessoas negras não só em situações marginalizadas, de violência, mas trazendo um outro olhar sobre os negros em seus vários aspectos, como o político e o social. “Ele é uma figura importante no sentido de fomentar e registrar a diversidade da humanidade negra, não se prendendo a aspectos e estigmas dos corpos de pessoas negras. É nesse aspecto que ele se torna uma figura importante no campo da fotografia”, afirmou Vilma à Agência Brasil.

Vilma sustenta que a humanidade das pessoas negras e dos movimentos negros é retratada por Januário Garcia de maneira universal, “não recortando aspectos estigmatizados”, como fazem pessoas de outros grupos raciais ao focalizar pessoas negras somente em questões de violência, de degradação humana.

“Meio que naturaliza determinados papéis. A população negra está à margem por conta do racismo, mas paralelo a toda essa barbaridade, há outras pessoas tentando resistir. E ele (Garcia) vem trazendo essa memória visual, constatando isso com imagens, com fotografias”.

Obras

Sergio Burgi informou que o IMS na Gávea, zona sul do Rio de Janeiro, permanecerá em obras de expansão das instalações e de trabalhos de adequação até 2027, de modo a promover uma maior integração dos espaços com a própria casa que pertenceu ao diplomata e banqueiro Walter Moreira Salles, que é tombada, e onde foi fundado, no início dos anos 1990, o Instituto Moreira Salles, para assistência à cultura do país. Enquanto isso, o IMS continuará atuando em parceria com outros equipamentos culturais do Rio de Janeiro para a realização de exposições e projetos culturais.