Fruto de uma experiência iniciada durante a pandemia da covid-19 que visava trazer segurança alimentar para as comunidades quilombolas e pesqueiras do norte fluminense e do Espírito Santo, o Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (Cieds) está lançando o livro digital
Receitas e Histórias das Colônias de Pescadores e Comunidades Quilombolas do Norte Fluminense e Sul Capixaba
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“No desenvolvimento do projeto, fomos percebendo toda a riqueza que está ali e que é a marca da resistência dos quilombolas e também das comunidades pesqueiras, que foi importante trazer e registrar para eles. São várias receitas ancestrais dessas comunidades”, disse à Agência Brasil José Claudio Barros, diretor de Programas e Projetos do Cieds. O livro digital pode ser acessado gratuitamente aqui.
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De acordo com Barros, além das receitas, o livro digital traz um pouco também da história dessas comunidades. “São receitas que mostram a relação dessas comunidades com aquilo que plantam, produzem, sua relação com a religiosidade, com o espírito de celebração festivo que elas têm, ligado à identidade, sua história e resistência”.
Além da receita com todos os ingredientes e o passo a passo para fazê-la, o livro apresenta a história do que ela reúne de simbologia e de história.
Agricultura familiar
O livro reúne 16 receitas feitas com produtos da agricultura familiar plantados pelas comunidades e pescados pelas mulheres marisqueiras, que são trabalhados com todos os elementos que caracterizam a sua história ancestral. O Cieds oferece também gratuitamente acesso ao livro que reúne histórias contadas por quilombolas do litoral capixaba e fluminense neste link. “Como elas chegam, quem são as grandes lideranças que estão ali, quem são seus griôs (indivíduos que detêm a memória do grupo e funcionam como difusores de tradições), como se configuram hoje todas as lutas que eles têm ali para se estabelecer e sua relação, inclusive, com a política pública”, informou Barros.
Ele recordou que, durante a pandemia, o que se via nas comunidades quilombolas e pesqueiras era o grupo que se juntava para produzir as refeições, contar histórias e garantir a distribuição para todas as famílias dali comunidade. “Trazendo uma força do coletivo muito rica”, comentou. “Nesse processo, fomos percebendo a riqueza das histórias, que está na oralidade e estava vindo para o papel como uma força que contribui para o reconhecimento do valor que uma comunidade quilombola traz para um município. Porque, quando se valoriza uma comunidade quilombola, dá-se força para ela, o benefício não é só para as famílias que estão ali dentro, é para o território como um todo.”
Sola
Filha de Cornélio José da Silva e de Dona Julita, Rosiele Conceição, de 35 anos, experimentou pela primeira vez a sola quando ainda era criança, na comunidade quilombola Sobara, em Araruama, no Rio de Janeiro. A receita, que faz parte da culinária local, é uma das comidas típicas que integram o livro digital do Cieds.
Segundo Rosiele, a sola começou a ser preparada devido à fartura do amendoim na região, produzido por moradores da comunidade, como seus avós e bisavós, que viviam do que plantavam. E a farinha estava sempre presente na mesa. Com o avanço da indústria no entorno da comunidade, situada a cerca de 40 quilômetros do centro de Araruama, Região dos Lagos do estado do Rio, muitos moradores começaram a trabalhar fora e, por isso, precisaram se afastar da agricultura.
Rosiele disse que o livro possibilita a disseminação de receitas ancestrais como esta e ajuda a inspirar outras pessoas e comunidades, evitando que as tradições se percam para as gerações futuras. “O resgate da culinária local permite também [que se ofereça] alimentação mais segura, com opções mais nutritivas e variadas, além de gerar renda e contribuir para a preservação do meio ambiente”, acrescentou.
A comida é preparada com a mandioca extraída da região. A receita leva massa de farinha, tapioca, amendoim, açúcar e sal. Todos os ingredientes são enrolados na folha de bananeira e, em seguida, a sola é assada no forno. O prato remonta a tradições ancestrais da comunidade e é usado principalmente para alimentação da família, no café da manhã e no lanche da tarde. Quando há sobra na colheita da mandioca, os moradores também vendem a sola para aumentar a renda da família.
Distribuição
Conformeo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tem 1,3 milhão de quilombolas em 1,6 mil municípios brasileiros.
No estado do Rio de Janeiro, são mais de 20 mil quilombolas, sendo que a capital é a terceira cidade no estado com mais integrantes. Dos 78 municípios do Espírito Santo, 26 têm população quilombola, totalizando mais de 15 mil pessoas.
Cieds
O Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (Cieds) desenvolve tecnologias sociais que geram mais renda, mais saúde, melhor educação e, acima de tudo, confiança no futuro.
A instituição atua construindo redes de parceiros estratégicos comprometidos com um Brasil melhor para todos. Com foco em gestão de excelência, em 25 anos de história, foram mais de 600 projetos realizados, 3,9 mil comunidades atendidas, 2,2 milhões de beneficiários diretos e mais de 700 parceiros envolvidos.