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Assum Preto e a incapacidade de ver a beleza do mundo

Da Redação

| Edição de 08 de agosto de 2024 | Atualizado em 08 de agosto de 2024

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Dias desses estava ouvindo algumas músicas de forma aleatória, quando de repente me surpreendi com uma que não ouvia há muito tempo e fez refletir sobre a forma como “enxergamos” o mundo. Naquela manhã, a Alexa tocou “Assum Preto”, e a voz de Badi Assad, carregada de dor e melodia, encheu o ambiente. A música é originalmente cantada pelo saudoso Luiz Gonzaga, mas ganhou outros ares na voz dessa incrível artista. A história do pássaro cego, que só canta de tristeza, ecoou em mim como uma metáfora poderosa sobre a nossa capacidade — ou incapacidade — de ver o mundo ao nosso redor. O assum preto, com seus olhos perfurados, foi condenado a viver na escuridão, e sua música é um lamento por tudo aquilo que ele jamais verá. 

Na história, o pássaro aprisionado, que só cantava a noite, vivia aprisionado em uma gaiola, sem poder conhecer o mundo que admirava pela fresta de uma janela. Ainda que sua vida fosse apenas a espera, ver de relance o céu o fazia cantar chorando pela liberdade e o mundo que não conhecia. Um dia, os homens furaram os olhos de Assum Preto para ele cantar melhor e durante todo o dia, já que sempre seria noite. Mas de tristeza, ele nunca mais cantou, apenas lamentava ter perdido aquilo que nunca foi seu. Seu canto de esperança, virou apenas um lamento sofrido.

Fiquei pensando em quantas vezes, mesmo com a visão perfeita, escolhemos fechar os olhos para a beleza que nos cerca. Envolvidos nas nossas rotinas, nas preocupações cotidianas, nos apegamos ao que é urgente e esquecemos do que é essencial. Passamos pelos dias sem perceber a delicadeza do pôr do sol, o sorriso de uma criança, o perfume das flores que enfeitam o caminho. A vida, que deveria ser uma sinfonia de cores, aromas e sons, se torna um borrão monocromático, uma rotina sem graça, como a música triste do assum preto.

É um exercício diário, abrir os olhos e enxergar, de verdade. Não só com a visão física, mas com a alma. Porque ver o mundo em sua plenitude exige mais do que apenas enxergar — requer sensibilidade, disposição, e uma vontade genuína de perceber a beleza nos detalhes. É preciso ter coragem para desacelerar, para não deixar que a vida nos cegue com suas exigências e urgências.

A música do pássaro cego nos lembra de uma verdade fundamental: viver de olhos fechados é perder a chance de experimentar a verdadeira beleza do mundo. Cada dia que passa é uma oportunidade única de contemplar o espetáculo que a natureza nos oferece, de se emocionar com as pequenas coisas, de se encantar com a simplicidade da vida. Se escolhermos manter nossos olhos abertos, talvez possamos evitar o destino do assum preto, cantando apenas por tristeza. Em vez disso, podemos cantar por alegria, por gratidão, por tudo o que somos capazes de ver.

Então, hoje, convido você a abrir os olhos, a ver o mundo como ele é — um lugar cheio de encantos, esperando para ser descoberto. Afinal, a beleza está em toda parte, basta termos a disposição de enxergá-la. E, quem sabe, transformar a nossa canção de lamento em um hino de celebração.

Thays D. Bomba