Na semana passada escrevi sobre a tal Urna do Tempo e o transtorno emocional que causou em todos por aqui, principalmente neste que vos escreve. O medo do futuro ou a sua incerteza, como assim chamei, me fizeram repensar muitas atitudes, de antes e de agora para o futuro que se desenha no horizonte.
No texto eu disse sobre a forma como interpretamos a passagem do tempo e a relação com as pessoas que temos a honra de dividir o tempo e o espaço. Porém, ao longo da semana o texto e sua crítica ecoavam em minha cabeça, como uma mensagem que precisava de reflexão. Comparei o meu eu de 11 anos e o meu de 62, em uma linha reta repleta de fases escuras aos meus olhos, pois é como se eu tivesse um farolete tão fraco que só ilumina um ou dois passos à frente e o mesmo para trás. Ainda que a luz seja fraca, ela me permite ver o caminho mais imediato, porém as curvas que eu vou fazer ainda estão no escuro, tal qual é mais fácil lembrar dos momentos mais recentes e pequenas velas jogadas pelo caminho, onde deixei um pouquinho de mim.
Quando disse que o meu eu criança, assim como o seu, vê o tempo de uma forma diferente, mais dilatada, sem pressa, sem pressão e sem excessos, julguei falar da falta de estímulos externos como trabalho e eletrônicos, mas também da inocência que a idade nos trazia. Refletindo novamente, talvez eu tenha sido incompleto, pois busquei parar de pensar como o filho e assumi o meu lugar de pai, honrando assim também os meus.
Nenhum tempo é relativo, só a forma como o observamos e quem os olha por nós. Se o tempo é sempre o mesmo, alguém teve que correr muito na minha infância para que eu tivesse o tempo que achava que tinha. Como pai, entendi que quando um filho é capaz de perceber o mundo em câmera lenta, significa que o pai precisa correr em velocidade dobrada, triplicada, quadruplicada e por aí vai.
Se hoje a espera da minha filha na porta do teatro parece curta é porque eu sempre saio mais cedo e paro de fazer o que estou fazendo para estar lá esperando por ela. Se tenho muitas coisas para fazer e sempre tenho, por um instante o tempo para, focando somente nela, em um momento em que só ela existe e nada é mais importante. Contudo, depois da graciosa missão, tenho que correr em dobro para fazer o que deixei para tal.
Se na minha infância a tarde parecia bem maior, como disse no outro texto, significa que minha mãe deixava a casa em ordem enquanto preparava o almoço e me lembrava de todos os afazeres do dia. Alguém sempre paga o preço pelo tempo do outro. Pode parecer, caro leitor e leitora, que estou cobrando dos meus filhos o tempo que eles “roubam”, mas na verdade estou agradecendo a eles pela honra e, principalmente, reconhecendo publicamente aos meus pais pelo seu tempo.
Em uma coisa eu acertei – ao menos penso assim -, que temos que ter mais tempo com os nossos, mas talvez eu tenha esquecido desse tempo cotidiano e ordinário, comum entre o almoço e a ida para a escola, entre o jantar e o boa noite, no caminho entre a casa e a escola... cada pequeno momento é um momento único. Que bom poder correr contra o tempo para poder ser pai e depois tudo aquilo que preciso ser, afinal, um dia meus filhos não se lembrarão de nenhum presente, mas do meu bom dia e boa noite de cada dia. Mas me deixe correr que eu preciso buscar meus filhos na escola e esse tempo já não é mais meu há muito tempo. Que bom não ter tempo às vezes.