Um em cada três casos de violência política na região metropolitana do Rio de Janeiro é motivado por ódio, abrangendo questões como racismo, misoginia, homofobia e transfobia. Essa é a conclusão de um estudo do Observatório das Favelas, uma organização da sociedade civil, divulgado recentemente.
O levantamento revela que, entre janeiro de 2022 e junho de 2025, ocorreram 267 casos de violência política no Grande Rio, dos quais 89 foram motivados por ódio.
De acordo com o pesquisador Leandro Marinho, um dos autores do estudo, a política tem se tornado um canal para a expressão de ódios que se transformam em atos de violência política, "muito em função da ascensão da extrema direita no país".
O estudo também destaca que, de 2022 para 2024, o número de ataques contra pessoas negras dobrou, passando de 17 para 30 casos.
Marinho observa que esse dado reflete um padrão estrutural e histórico de exclusão e silenciamento de lideranças políticas negras, associado ao aumento da presença de negros na política.
"Há uma relação entre o aumento de candidaturas negras e a maior vulnerabilidade dessas candidaturas", afirma o pesquisador, lembrando que nas duas últimas eleições, 2024 e 2022, houve mais candidatos negros do que brancos. Em 2024, 52,7% dos candidatos eram negros, segundo a Justiça Eleitoral.
Por outro lado, a violência política contra brancos diminuiu de 33 para 30 casos no mesmo período.
Agressão verbal
Os pesquisadores também classificaram como violência política a repressão a manifestações contra operações policiais. Entre os 267 casos registrados de janeiro de 2022 a junho de 2025, os mais frequentes foram:
- Agressão verbal: 15% dos registros
- Repressão policial a manifestação política: 13%
- Atentado contra a vida (não resultou em morte): 12%
- Execução: 12%
- Ameaça: 10%
- Agressão física: 9%
- Ameaça de morte: 8%
- Ataque a manifestação política: 4%
- Outros: 16%
Em 30% dos casos, armas de fogo foram utilizadas. Durante o período de três anos e meio, ocorreram 33 atentados contra a vida e 31 execuções.
Agressores
O Observatório das Favelas identificou que, entre os principais responsáveis pelos casos de violência política, estão:
- Políticos: 59 registros
- Policiais: 58
- Grupos armados: 29
Entre os atos cometidos por políticos, os mais comuns foram:
- Agressão verbal: 19
- Agressão física: 12
- Ameaça: 9
Nos casos envolvendo policiais, 44 dos 58 registros estavam relacionados a manifestações políticas:
- Repressão a manifestação política: 35
- Ataque a manifestação: 5
- Prisão arbitrária na manifestação: 4
“É um dado que, sem dúvida, indica o quanto as instituições policiais são pouco afeitas à democracia, pouco preparadas para lidar com manifestações democráticas”, avalia o pesquisador Leandro Marinho.
A Agência Brasil solicitou comentários à Secretaria de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, mas a pasta informou que não comenta sobre os dados, "uma vez que não tem conhecimento sobre a metodologia utilizada para sua coleta".
Período eleitoral
O estudo do Observatório das Favelas observa que há um aumento nos registros de violência política durante o período eleitoral, que os pesquisadores classificam como de junho a outubro dos anos eleitorais.
Na Baixada Fluminense, região que inclui municípios como Nova Iguaçu, Japeri, Queimados e Duque de Caxias, os pesquisadores têm dados desde 2015. Foram identificadas 65 execuções no período.
Fora do período eleitoral, ocorre uma morte a cada 75,6 dias. Durante o período eleitoral, há um assassinato político a cada 22,5 dias. "À medida que as eleições se aproximam, o ritmo dos assassinatos mais que triplica", destaca o documento.
Pesquisa
Para realizar o levantamento, os pesquisadores utilizaram casos noticiados pela imprensa. A pesquisa considerou violência política não só a cometida contra políticos eleitos e candidatos, mas também contra militantes, cabos eleitorais e lideranças comunitárias.
Os dados foram coletados na região metropolitana da capital fluminense, incluindo a Baixada Fluminense, conhecida por seu histórico de violência política, e a Baía de Ilha Grande, no litoral Sul do Rio de Janeiro, região influenciada pela atividade de milícias.
O levantamento foi realizado em parceria com o Laboratório de Estudos sobre Política e Violência (LEPOV) da UFF e o Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Sinal de alerta
O pesquisador João Trajano, coautor do estudo, pondera que “não dá para comparar, em termos de ofensividade, um homicídio, um atentado contra a vida e uma ofensa”. No entanto, ele acredita que o estudo aponta um “sinal de alerta para a saúde e para o avanço da nossa democracia”, especialmente na política "miúda, do chão", ou seja, mais distante da macro política, como no Congresso Nacional.
“Quando juntamos todas essas dinâmicas e práticas, percebemos que existe uma lógica de atuação política totalmente contrária aos padrões liberais competitivos da política democrática”.
Rigor das instituições
O pesquisador do Observatório e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) André Rodrigues acredita que um dos caminhos para diminuir a violência política no estado do Rio é aumentar o rigor da Justiça Eleitoral na apuração de envolvimentos criminais de candidatos na política municipal.
“Muitos cientistas políticos afirmam que nossas instituições são fortes. De fato, do ponto de vista federal e em alguns estados, sim. Mas, quando olhamos para a política local, elas são muito frágeis e contaminadas por lógicas que ainda incluem áreas de coronelismo, clientelismo e mandonismo”, avalia.
Rodrigues também sugere ampliar o rigor para candidaturas de agentes de segurança pública. Ele observa que, atualmente, basta se licenciar para disputar uma eleição e, se não eleito, o agente pode retornar ao cargo.
“Uma quarentena para que o agente entre na política municipal, porque ele é um agente armado”, recomenda. “E o impedimento de que ele utilize o nome de sua atuação pública, seu cargo ou patente na urna para que esse capital de ser um agente armado do estado não seja convertido em capital político”, completa.
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Com informações da Agência Brasil